quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Relatos de um seminário: sociedade inclusiva e desenho universal

As secretarias de Transporte e Trânsito e de Assistência Social da Prefeitura de Juiz de Fora ofereceram, na última semana, novos cursos de capacitação: “Técnicos e Agentes Sociais em Acessibilidade”, “Sem Barreiras - Qualidade no Atendimento às Pessoas com deficiência” e “Acessibilidade pelo Design Universal”.

Os palestrantes dos cursos foram Amanda Oliveira Gonçalves e Odirlei Roque de Faria, da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida - SMPED-São Paulo e Marcelo Pinto Guimarães, Ph.D. em Design Universal nos EUA (NCSU), coordenador do Laboratório Adaptse e professor de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais.

A iniciativa incluiu ainda o "Seminário Acessibilidade: Espaço, Comunicação e Trabalho" que aconteceu nos dias 26 e 27 de novembro, no Victory Business Hotel. 

O evento teve como público-alvo servidores públicos em geral; gestores de empresa e de recursos humanos, arquitetos, engenheiros civis e demais profissionais da construção civil; pessoas com deficiência e estudantes de áreas afins e, para garantir a participação de todos neste evento, a organização ofereceu o apoio de intérpretes de leitura labial, libras, e de libras/tátil (para pessoas com deficiência auditiva e visual).
A abertura no dia 26 de novembro ás 19 horas contou com a presença de todos da comissão organizadora. Segundo o secretário da Settra, Márcio Bastos, os arquitetos tem especial responsabilidade no processo para que a sociedade recupere o tempo e o espaço perdido acerca da acessibilidade. Ele ainda fez um apelo às faculdades de arquitetura para que não percam a visão de projetas espaços acessíveis, e assim, uma sociedade mais inclusiva. Segundo ele, "os profissionais mais à frente tem a responsabilidade de incluir os mais novos nesse processo."

Abertura oficial do evento com mesa composta pelos organizadores

Secretário da Settra fala sobre o papel dos arquitetos para uma sociedade inclusiva

A palestra “Acessibilidade Universal Numa Sociedade Inclusiva”, ministrada pelo Prof. Dr. Marcelo Pinto Guimarães, coordenador do Laboratório Adaptese/UFMG, deu início às atividades.

Na foto, Prof. Dr. Marcelo fala sobre as perspectivas
 para o futuro acerca da acessibilidade

O que nós queremos para o futuro? Será que nós conseguiremos?

Instigando os ouvintes, assim o Prof. Dr. Marcelo Guimarães iniciou dessa forma a sua palestra. Falou sobre os conceitos de sustentabilidade e diversidade, relacionando-os entre si e trazendo uma nova maneira de pensar as duas coisas juntas. A necessidade de inovar e evoluir esteve presente durante toda sua fala, porém a crítica a sociedade tecnológica foi enfática e muito discutida.

No segundo dia de evento, 27, tivemos a palestra “Acessibilidade e Comunicação”, por Fludualdo Tales, Professor da rede municipal e consultor da Câmara Municipal de Juiz de Fora, Rodrigo Geraldo Mendes, Cordenador do Curso de Libras do Núcleo de Atendimento Especial à Pessoa com Deficiência - Naepd e Elciane Mary Calixto.

Cleide Ramos Reis, do  Centro de Vida Independente - BA e mestranda em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, ministrou a palestra “Acessibilidade nos Transportes Municipais e Intermunicipais” e Silvana Cambiaghi, mestre em Desenho Universal pela FAU-USP e membro da CPA – Comissão Permanente de Acessibilidade  de São Paulo, falou sobre “O Papel da CPA, como Garantia de Acessibilidade nos Municípios”.
Já o diretor do Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente e um dos palestrantes da tarde, Romeu Kazumi Sassaki, falou sobre a necessidade de o país se preparar para a realização de ações afirmativas que, segundo ele, representam uma postura social favorável. Sassaki atua há 52 anos na área da deficiência como especialista e consultor. Escreveu o livro “Inclusão: Construindo uma sociedade para todos”.

A última palestra, com o título “Mobilidade Urbana em Calçadas Acessíveis: Exemplos e Novos Paradigmas para o Brasil” foi apresentada por Regina Cohen - Arquiteta, Pesquisadora Associada no Departamento de Tecnologia da Construção da FAU/UFRJ e Coordenadora do Núcleo Proacesso (PROARQ/FAU/UFRJ).
Regina Cohen fala sobre Acessibilidade e Patrimônios Culturais


Necessidades especiais?

E as necessidades especiais, será que são tão especiais assim?
Será que temos sempre que dar ênfase às diferenças? Segundo Marcelo, a sociedade tecnológica funciona como uma cabine, uma cápsula protetora e constitui um problema de grandeza mundial. 
Para ele, a tecnologia não deve ser tomada como a solução para os problemas de acessibilidade, pois ela pode ser um fator de exclusão em alguns casos, prejudicando assim a integração entre as pessoas, possuam elas deficiências ou não.

E aí, é um fator arquitetônico: oferecer ou não espaços que integrem as pessoas, evitar ou não a segregação. É como se fossem vidas paralelas, em que o deficiente está sempre alheio porque os espaços dizem que tem que ser assim. 

É uma ilusão pensar que o cadeirante que mora no térreo vai criar relações sociais com as pessoas do último andar. É ilusão também achar que tem que ter uma fila separada para ele. É muito chato chegar no cinema e não poder escolher onde ficar, porque já tem um lugarzinho ali, reservado para ele!

Imagem exibida durante a apresentação de Marcelo Guimarães Pinto


Estes não são espaços acessíveis!!! São espaços paralelos. E enquanto for assim, a sociedade não será inclusiva.

E é ilusão pensar que a tecnologia resolve tudo. As necessidades especiais são as mais comuns, as mais normais. Na verdade tais necessidade são comuns a todos nós.

Temos então que repensar a lógica cartesiana, abandonar a solução imediata, o pensamento linear e aderir a uma visão mais holística sobre o assunto. Pensar que "um todo é parte de outros todos" é começar. E a partir daí temos diversos conceitos até chegarmos de fato no design universal.

A acessibilidade é um direito humano, e nós arquitetos, temos como instrumento o desenho universal para tornar a vida das pessoas mais satisfatória e independente. 

Por Jéssica Rossone

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Workshop "Sobre o projeto em paisagismo" com Tim Waterman

Muito mais do que uma simples abordagem sobre o projeto paisagístico, o workshop ministrado pelo professor da Writtle Schcool of Design em Londres, Tim Waterman, fez com que os participantes pensassem primeiramente em questões urbanísticas, na paisagem urbana. 

O evento que aconteceu na última semana, 19 a 23 de novembro de 2012, excedeu as salas de aula e permitiu o contato entre alunos de diversas turmas do curso de arquitetura e urbanismo da UFJF. Além disso, o workshop   motivou o início das aulas neste semestre, visto que os participantes tiveram que pensar em soluções e representá-las em um curto espaço de tempo, logo na primeira semana.


Tim Waterman

O workshop proporcionou aos alunos uma visão mais clara acerca do projeto paisagístico já que alguns alunos ainda não tiveram aulas específicas sobre o assunto. Durante os três dias do programa, os envolvidos puderam ver em etapas bem definidas o progresso de seu trabalho. Formaram-se três grupos, os quais tinham a mesma missão: diagnosticar e propor novas visões e ideias acerca da paisagem urbana de um terreno no centro da cidade.

Podemos destacar ainda como ponto positivo a interação entre alunos da Graduação e Pós-graduação em Ambiente Construído da UFJF, os quais participaram em conjunto na elaboração de  diagnósticos e propostas para uma área chamada popularmente "Terreirão do Samba", localizada no centro da cidade de Juiz de Fora. 

A realidade das ideias e propostas apresentadas pelos grupos formados pelos alunos consiste em uma qualidade a ser exaltada durante o processo, bem como a urgência (e aí separamos muito bem os conceitos de urgência e pressa) de se pensar algo novo e real. A única reclamação, comum a todos, foi o curto prazo para se pensar uma proposta de tal dimensão.


Turma do Workshop

Tim Waterman destacou a relação do projeto de paisagismo com o tempo: passado, presente e o futuro devem ser pensados juntamente com a proposta. Falou também sobre a importância do paisagista levar em consideração o diálogo do espaço com a população, com as pessoas que irão utilizar o espaço.

Segundo ele, o processo e, consequentemente, o progresso do projeto dá-se em algumas etapas: Brief, Research, Analysis, Synthesis (prognosis), Construction, Operation and Evaluation,  que correspondem a uma primeira fase de breves observações, levantamento, análise, síntese, construção, uso/funcionamento e avaliação.


Turma do Workshop

"So, the architects are prepare to do a beautiful thing, to construction a THING, and not a landscape." 


Com a frase acima passo para outra reflexão feita durante as aulas, em que o próprio Tim indica uma mudança na forma de pensar dos atuais arquitetos urbanistas. Percebemos então que as propostas mais recentes giram em torno de um objeto, muitas das vezes sem o identificar no entorno e sem a percepção necessária para a perfeita implantação deste objeto na paisagem existente.

"There's only problem. But, what's the  problem? Where does it hurt?"


Então, qual é o problema, onde estamos falhando? 
A monumentalidade, presente na arquitetura desde os primórdios, é um fator que configura este cenário egoísta? 
A especulação imobiliária, a visão de mercado mudou a visão do produto arquitetônico?
O que nós estamos projetando de bom para as nossas cidades? E o que modificamos em sua paisagem a cada novo objeto criado? 

De certo, o workshop deixou mais perguntas do que respostas... Nada melhor para pensarmos e discutirmos sobre o assunto.

Por Jéssica Rossone

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Fotografias revelam paisagem urbana de Juiz de Fora


No dia 04 de dezembro todos poderão conferir o lançamento do livro "Paisagem urbana - Aspecto Arquitetônico" que irá acontecer no Museu do Crédito Real às 20 horas.



O livro de Lodônio Di Figueiredo, editado pela editora Funalfa, com subsidio da Lei Murilo Mendes, retrata fragmentos da arquitetura e do urbanismo de Juiz de Fora.

O fotógrafo explora ainda as ferramentas digitais para o aproveitamento das suas potencialidades na representação gráfica dos espaços clicados.

Por Jéssica Rossone

sábado, 17 de novembro de 2012

Evento discute Inventário do Patrimônio Cultural

 Aconteceu na última semana o Seminário sobre Inventário do Patrimônio Cultural, realizado nos dias 08 e 09 no Instituto de Ciências Humanas da UFJF. 
O evento que reuniu representantes de várias esferas relacionadas ao tema, discutiu a importância do inventário para a preservação de bens culturais, bem como todos os instrumentos de preservação e proteção presentes na Constituição Federal Brasileira. 

Prof. Dr. Marcos Olender, organizador geral do evento, recebe seus
convidados na cerimônia  de abertura

Convidados falam sobre a expectativa para o impacto positivo
 do evento na sociedade
A primeira palestra foi ministrada por Andrey Rosenthal Schlee (DEPAM/IPHAN), que falou sobre a visão do Instituto de Patrimônio Histórico Nacional como um todo, sobre o inventário como instrumento de preservação. Durante sua fala, ele nos apresentou minuciosamente a história do inventário bem como é conhecido hoje, desde sua criação dentro das legislações municipais, estaduais e federais. Além disso, fez questão de trazer citações e explicitar seu ponto de vista sobre o assunto.
A segunda palestra que aconteceu na mesma manhã, dia 08, foi ministrada pelo líder do Laboratório de Patrimônios Culturais da UFJF, Prof. Dr. Marcos Olender, também membro do ICOMOS/Brasil, que apostou na mesma visão do primeiro palestrante e trouxe mais informações para a discussão. 







O Prof. Dr. Marcos Olender apresenta a palestra "Uma medicina doce do patrimônio"

Marcos Olender salientou a questão do inventário como instrumento de identificação, seleção e registro de novos valores para preservação, como consta na Constituição Federal de 1988 e numa resolução da equipe de inventários e pesquisas do DID/IPHAN.

Citação do coordenador do Inventário Geral Francês, que dá nome ao artigo
e palestra apresentada por Olender
O primeiro dia do evento ainda contou com a participação de Leonardo Barci Castriota da Universidade Federal de Minas Gerais, com a palestra "Inventários: tipos e perspectivas" e com a contribuição de Luis Fernando Rhoden (ICOMOS), com a palestra "Os inventários de conhecimento no RS e suas consequências".

O segundo dia do evento, sexta-feira (09), contou a presença de Nivaldo Vieira de Andrade, representante do IAB-BA e da Universidade Federal da Bahia, que falou sobre como estão as discussões no estado da Bahia. Com a palestra intitulada "Inventário como instrumento de identificação: A experiência do Inventário da Arquitetura, do Urbanismo e do Paisagismo Moderno da Bahia.

 O evento visou discutir a questão dos instrumentos de identificação, preservação e proteção do Patrimônio Cultural em âmbitos nacionais. Segundo o organizador do evento Marcos Olender, a participação de representantes de várias instituições e várias localidades diferentes é importante para compreendermos melhor a visão que eles têm sobre o tema e gerar uma discussão mais completa e abrangente.

Os palestrantes participaram de debates após feitas as exposições, e receberam bem as colocações de todos os participantes.  Relatos de ocorrências cotidianas em relação à nova deliberação sobre a questão do inventário foram constantes e ajudaram a entender melhor o que estamos presenciando atualmente.

Palestrantes ouvem opinião e questões levantadas pelos participantes
 O Seminário teve quase cem inscritos, entre eles estudantes dos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo e História e cursos de pós-graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, além de representantes de várias instituições e administrações da Zona da Mata Mineira.  

Evento contou a com a presença de estudantes de vários cursos da UFJF

A questão do inventário e os bens culturais no Brasil e em Minas Gerais

Segundo o Art. 216 da Constituição Federal de 1988 (Patrimônio Cultural), 

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: 

I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados a manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontólogo, ecológico e científico.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação.

Dessa forma, podemos perceber que a Constituição Federal indica os instrumentos de preservação e proteção, cabendo à administração pública a gestão da documentação governamental. 


Na citação acima, evidenciada por Marcos Olender em sua apresentação, temos a visão de Sonia Rabello,  doutora em Direito Público e pós-doutora pela Universidade de Paris II. Professora de Direito Administrativo na Uerj, atualmente é vereadora na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, sobre o assunto. 


Segundo a definição encontrada no site do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG, descrita abaixo, o inventário é um instrumento de preservação dos bens culturais, que visa na identificação de tais bens uma maneira pedagógica de relacionar a memória coletiva  com a sociedade.

"O conhecimento, a proteção e a valorização do patrimônio cultural no Estado de Minas Gerais fazem parte da política do IEPHA/MG desde sua formação como órgão de preservação. A elaboração do inventário é uma de suas atribuições e está prevista pelas constituições federal e estadual.

Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais - IPAC/MG é um programa de pesquisa de identificação das diversas manifestações culturais do Estado. Mais do que inventariar bens materiais e imateriais, busca identificar e relacionar lugares da memória coletiva, transformados de uma geração para outra por impulsos de intercâmbio social e de sobrevivência, além do território do município."

Porém, como consta na Deliberação 02/2012 do IEPHA/MG: 

d) Constitui forma de proteção ao patrimônio cultural o Inventário do Patrimônio Cultural, nos termos do disposto no Art. 216,  § 1º da Constituição Federal e Art. 209 da Constituição do Estado de Minas Gerais.
e) Os bens materiais inventariados  como patrimônio cultural gozam de especial proteção, com vista a evitar o seu perecimento ou degradação, apoiar a sua conservação e  divulgar sua existência.
f) O inventário consiste na identificação das características, particularidades, histórico e relevância cultural, objetivando à proteção dos bens culturais materiais, públicos ou privados, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, entre outros.


A Deliberação 02/2012 gerou discussões que culminaram na realização de tal evento. Durante o encerramento, os palestrantes apresentaram um documento gerado a partir das discussões, que atualmente está a cargo do IPHAN, que visa normatizar de forma clara a questão do inventário.

Mesa de encerramento apresenta documento formulado com base
 nas discussões durante o evento
O objetivo principal do documento é que o Inventário do Patrimônio Cultural seja tomado de forma clara nas próximas discussões e se estabilize como instrumento de preservação de bens culturais no Estado de Minas Gerais.

Por Jéssica Rossone

terça-feira, 13 de novembro de 2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Volta às aulas na arquitetura terá vários eventos

A Comissão  de Comemoração dos 20 anos do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF começa a divulgar os eventos do mês de novembro, que acontecerão durante a primeira semana após o retorno às aulas, dos dias 19 a 22.



Um zoom para a programação:



Por Jéssica Rossone

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Viagem de estudos à cidade do Rio de Janeiro (2012)


O Thau do Blog traz hoje o relato de duas estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF sobre a viagem ao Rio de Janeiro que aconteceu no último dia 26 de Outubro com o Professor e coordenador do nosso Blog Antônio Agenor. Agradecemos às alunas Carina e Isadora pela brilhante dissertação:

Viagem de estudos à cidade do Rio de Janeiro (2012)

Alunos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora

Professor: Antônio Agenor Barbosa

Diário e Impressões de uma viagem

Por Carina Folena (9.período) e Isadora Monteiro (4.período) *



  • Sexta-feira, dia 26/10/2012.
Na sexta feira do dia 26 de outubro de 2012, um grupo composto por 28 alunos de diferentes períodos do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, sob a coordenação do Professor Antônio Agenor Barbosa, partiu de manhã bem cedo para o Rio de Janeiro com um objetivo: conhecer a Cidade Maravilhosa. E para “conhecer” temos que olhar, caminhar, discutir, fotografar, observar as pessoas, maravilhar-se com a arquitetura de tantas épocas diferentes, desbravar o ambiente urbano e encontrar as suas belezas naturais, sempre presentes quando o assunto é Rio de Janeiro.

Depois de algumas horas de estrada, chegamos ao Elevado da Perimetral, portão de entrada para a cidade e alvo de muitas discussões devido ao projeto “Porto Maravilha”. O passo seguinte foi chegar a Copacabana para conhecer o albergue onde ficaríamos hospedados e logo depois, em grupos, nos dirigirmos ao primeiro ponto de encontro, na Avenida Presidente Vargas, coração do Rio, para darmos início à nossa jornada de estudos.

Mais do que uma visita a pontos turísticos e marcos históricos do Rio de Janeiro, nesta viagem fizemos, de fato, uma imersão no dia a dia do povo carioca. O deslocamento dos alunos pelo metrô, meio de transporte sugerido pelo professor Antônio Agenor, não só agilizou o acesso aos locais que compunham nosso roteiro de viagem, como também nos permitiu identificar aspectos sociais e econômicos que compõem a dinâmica urbana da cidade.

No decorrer dos quinze minutos do trajeto que liga a estação “Siqueira Campos” (em Copacabana) à Estação “Uruguaiana” (no Centro), observamos apressados trabalhadores que retornavam aos seus postos de trabalho, crianças e jovens que voltavam do colégio no horário do almoço, mas também personagens característicos da urbe tais como: músicos de chorinho que se apresentam e ganham uns trocados no metrô e cantores sertanejos que se dirigiam à Cidade Maravilhosa em busca de sucesso, mas que ali acabaram sem dinheiro, contando suas histórias de estação em estação como forma de sensibilizar os usuários e receberem ajuda para voltarem às suas terras natais. Com isso, percebemos que as linhas de metrô funcionam de fato como vias subterrâneas, não somente pela perspectiva do transporte, mas pelo viés da livre apropriação do espaço e tempo feita pelas pessoas que nelas trafegam e as utilizam como lócus de manifestação, seja ela artística ou um apelo pessoal.  (VER O MAPA 1)

MAPA 1 – Roteiro diurno da primeira parte da viagem de estudos ao Rio de Janeiro.

Chegando à Avenida Presidente Vargas, nossa primeira parada foi na Igreja de Nossa Senhora da Candelária. O templo barroco localiza-se na porção central da via e impressiona pela escala (mesmo estando em uma avenida monumental e muito movimentada), pela história e pela suntuosidade do espaço interno. O entorno também chama a atenção: um dos primeiros edifícios de Oscar Niemeyer no Rio (O Banco Boavista de 1946), edifícios projetados por Lúcio Costa, Paulo Casé (Banco Safra de 1983), a casa França-Brasil (projeto de Grandjean de Montigny de 1820, no estilo Neoclássico, que funcionava como alfândega no período colonial) e o Centro Cultural do Banco do Brasil, primeira sede do banco e atualmente um dos principais espaços de exposições e eventos culturais do Rio de Janeiro. O espaço recebe, até Janeiro de 2013, a exposição “Impressionismo: Paris e A Modernidade”, que conta com obras impressionistas do Museu d`Orsay, em Paris.

Imagem 1: Igreja da Candelária. Foto de Flaviane Silva.
Imagem 2: Centro Cultural Banco do Brasil. Foto de Isadora Monteiro.
Imagem 3: Casa França – Brasil. Foto de Carina Folena.





Imagem 4: Edificações no entorno da Candelária. O quarto edifício da direita para a esquerda é o antigo Banco Boavista, de autoria de Oscar Niemeyer. Foto de Carina Folena.
Imagem 5: Detalhe dos “brises” do Banco Boavista (em reforma). Foto de Isadora Monteiro.

Na caminhada até a parada seguinte, provocados pelo professor, fizemos um pequeno debate. Abrigados numas das tantas galerias (loggia) do centro da Cidade (marcos das proposições do Plano Agache) e cercados de um lado por uma colunata e do outro pela fachada dos edifícios, nos perguntamos: “estamos em um espaço urbano ou arquitetônico?” A pergunta foi pertinente em muitas outras situações, já que no Rio de Janeiro são características essas tipologias de transição do meio urbano para o arquitetônico (talvez uma das possíveis respostas para a nossa pergunta!) e nos fez notar as diferentes maneiras utilizadas por cada estilo (e em cada período) no tratamento do espaço. Pequenas ações de projeto podem conciliar a escala macro da cidade com escala micro, da arquitetura. Como, por exemplo, no Edifício Marques dos Reis onde a porta de entrada se revelou como um estudo de caso interessante: ao passo que seu desenho, como um todo, alude e acompanha a monumentalidade da Avenida Presidente Vargas, a parcela da esquadria que de fato desempenha a função de acesso ao interior já se apresenta com as dimensões compatíveis à escala mais humana do edifício.




Imagem 6: as generosas calçadas e galerias da Avenida Presidente Vargas. Foto de Carina Folena.
Imagem 7: Porta de acesso ao Edifício Marques dos Reis. Foto de Carina Folena.

Um intricado sistema de estreitas ruas é o que separa a suntuosidade da Avenida Presidente Vargas de vias como, por exemplo, a “Ladeira do João Homem” e a “Rua do Jogo da Bola”, que foram os nossos próximos destinos. É interessante perceber como a própria denominação sugere uma mudança drástica de caracterizações espaciais, e de fato, o Morro da Conceição foi uma surpresa para muitos. Inicialmente escondido pelo edifício A Noite (primeiro arranha-céu do Rio de Janeiro, projetado em 1930, pelo arquiteto francês Joseph Gire, o mesmo que projetou o Hotel Copacabana Palace), o Morro da Conceição foi se revelando durante a subida. É um dos quatro morros dentro dos quais a cidade se desenvolveu (por questões de defesa e segurança) e abriga muita história em suas ruas, na arquitetura e no cotidiano dos seus moradores, que têm uma vista privilegiada da cidade


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Imagem 8: Panorama da Cidade do Rio de Janeiro visto do Morro da Conceição em aquarela de Thomas Ender de 1817.

A região do Morro da Conceição tem sido alvo de projetos de enobrecimento, que visam à melhoria do espaço urbano e à atração de pessoas para o comércio e para o turismo. Postes de iluminação pública vêm sendo substituídos por modelos nem sempre tão harmonizados com sua ambiência urbana, casarões e sobrados estão sendo reformados e muitos abrigam ateliers de artistas, bem como estabelecimentos gastronômicos.


  
Imagens 9,10: Restaurante na Ladeira do João Homem, no Morro da Conceição. Fotos de Carina Folena.





Imagem 11: Subida do Morro da Conceição: edifício A Noite ao fundo. Foto de Isadora Monteiro.
Imagem 12: Sobreposição de estilos na vista do topo da Ladeira do João Homem. Foto de Carina Folena.

Mais surpresas nos aguardavam após a caminhada pela Ladeira do João Homem: a estreita via desemboca em um largo onde se encontram instalações militares da época colonial, que integravam o sistema de segurança da cidade, articulado por morros, alguns deles já desmontados. A área que antes servia ao propósito de defesa, e que para tanto dispunha de uma vista privilegiada para o mar, hoje se encontra circundada por inúmeros arranha-céus.




Imagem 13: Vista do largo que se abre a partir da Ladeira do João Homem. Foto de Carina Folena.
Imagem 14: Detalhe da Fortaleza da Conceição. Foto de Isadora Monteiro.

Na caminhada pela Rua do Jogo da Bola, mais singularidades: a arquitetura colonial de influência lusa, com telhas cerâmicas decoradas e fachadas revestidas com ladrilhos, sem deixar de mencionar as imagens de santos que compõem a estética das fachadas das residências.


Imagem 15: Visão da Rua do Jogo da Bola, no Morro da Conceição, por volta de 1940.

Diferentemente da Ladeira do João Homem, essa parte do morro já dispõe de visadas mais amplas para a Região Central e para a área portuária do Rio. É possível avistar a partir da via, importantes marcos da cidade: Corcovado, Estação Central do Brasil e o Morro da Providência, ocupado no final do século XIX por soldados egressos da Guerra de Canudos, que o batizaram de Morro da Favela em alusão à uma mesma planta (originária de uma “fava”) encontrada no povoado baiano. E assim, portanto, “favela”, passou a ser a denominação comum para os assentamentos informais brasileiros desde então.

Finalizamos o percurso pelo Morro da Conceição com uma visita ao Jardim Suspenso do Valongo, que integrava o plano de embelezamento feito pelo prefeito Pereira Passos no início do século XX, e com projeto de autoria de Luis Rey. Com uma temática de contemplação, o Jardim Suspenso do Valongo se apropria do relevo com a consolidação de formas mais orgânicas: o concreto armado estrutura caminhos e reproduz pedras e madeira, de forma a configurar uma ambiência que se aproxime ao máximo da paisagem natural.


Imagem 16: Jardim do Valongo fotografado por Augusto Malta, sem data / Revista Municipal de Engenharia, janeiro/dezembro 1997, p.155 (fonte: http://blogportomaravilha.com/2012/07/12/de-volta-ao-jardim-suspenso-do-valongo)


  
Imagem 17: Alunos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, com o Professor Antônio Agenor Barbosa à frente no Jardim Suspenso do Valongo, no Morro da Conceição, Rio de Janeiro. Foto de: Eulices Cardoso.

Em tempos em que o espaço público se encontra demasiadamente imerso em um programa de atividades e dinâmicas urbanas, uma área da cidade que funcione como um “respiro” em meio a todo caos viário, sempre é muito bem vinda. A beleza pictórica do jardim é ideal para os que buscam um local tranquilo para relaxar (alguns alunos até se sentaram à sombra e tiraram seus calçados), namorar e fotografar, sem contar o ganho ecológico que um espaço desses proporciona à cidade, principalmente na atração de pássaros e outros animais.



Imagem 18: Em um desenho feito na areia, eis a explicação do esquema de formação e defesa da cidade, pelo professor Antônio Agenor Barbosa. Foto de Isadora Monteiro.
Imagem 19: Jardim Suspenso do Valongo. Foto de Isadora Monteiro.

Após finalizarmos o percurso no Morro da Conceição visitamos o sítio arqueológico do Cais da Imperatriz. Durante escavações para a implantação de um projeto de intervenção urbana na Avenida Barão de Tefé, foi encontrado o cais que recebeu a imperatriz Tereza Cristina no período colonial, reascendendo mais um capítulo da história do Rio encoberto em meio aos sucessivos aterros que tornam, hoje, o mar muito distante de seu antigo porto.

Vizinho ao Cais da Imperatriz está o stand de informações do projeto Porto Maravilha no qual paramos para receber algumas informações, finalizando assim o percurso diurno. O espaço é interativo e aborda as questões da revitalização e mobilidade urbana, como também, do projeto do Museu do Amanhã, do arquiteto Santiago Calatrava, entre outros. Esta vultosa obra, que será realizada na zona portuária do Rio até 2016, alterará consideravelmente a paisagem da frente marítima da capital carioca. Entre as obras previstas estão: demolição do Elevado da Perimetral, construção de túneis e passagens subterrâneas, alterações de parâmetros de uso e ocupação do solo, bem como edilícios, além da instalação de ciclovias e de sistema de VLT, integrando os principais pontos centrais.



Imagem 20: Cais da Imperatriz. Foto de Isadora Monteiro
Imagem 21: Espaço Interativo “Meu Porto Maravilha”. Foto de Isadora Monteiro.

O nosso encontro na noite desta sexta-feira, ainda no dia 26 de outubro, foi marcado pelo professor Antônio Agenor em um dos lugares mais emblemáticos da cidade. A Cinelândia, região do entorno da Praça Floriano, é marcada historicamente por ser a primeira praça republicana, onde a igreja (sempre presente nas praças, até então) é substituída por edifícios culturais, institucionais e de lazer. A região é marcada politicamente, por eventos e manifestações de grande relevância para a história do Brasil; arquitetonicamente, pela presença do Teatro Municipal, da Biblioteca Nacional, do Museu Nacional de Belas Artes, da antiga sede do Supremo Tribunal Federal (atual Centro Cultural da Justiça Federal) e do já demolido Palácio Monroe. Culturalmente, a Cinelândia, tornou-se famosa pela presença de diversos cinemas, teatros, cassinos e restaurantes. (VER O MAPA 2)


MAPA 2 – Roteiro noturno da segunda parte da viagem de estudos ao Rio de Janeiro.
Dos vários cinemas que deram nome à região, permanece apenas o Cinema Odeon, ainda em atividade. Coroando a praça, em uma das extremidades, está o imponente Theatro Municipal, edifício eclético inspirado na Ópera de Paris e construído no governo de Pereira Passos.




Imagem 22: Cinema Odeon. Foto de Isadora Monteiro.
Imagem 23: Theatro Municipal. Foto de Isadora Monteiro.
Imagem 24: Palácio Monroe. Fonte:http://brasilarqui.files.wordpress.com/2010/03/palacio_monroe.1.jpg.

Essa característica multicultural imprime ao espaço público da Cinelândia diversas apropriações e para nós, estudantes de arquitetura e urbanismo, foi muito importante poder vivenciá-las no período noturno em plena sexta-feira, transformando-se assim numa experiência muito interessante. Em noite de estreia no Cinema Odeon, a praça se configura como uma extensão do saguão de entrada, perto daquele local, uma animada roda de capoeira também atraia transeuntes para a porção lateral da praça. Em um ambiente tão rico em paisagem arquitetônica e em monumentos, ainda há espaço para intervenções artísticas, como o Labirinto de Vidro, de Robert Morris, intensamente utilizado pelos que caminham em seu entorno. Ao lado, o tradicional restaurante Amarelinho, com suas mesas dispostas nas calçadas, ajuda a diversificar ainda mais o público da Praça Floriano, que com tantos usos e apropriações torna-se um local aprazível, movimentado e confortável.



Imagem 25: Transeuntes atraídos pela roda de capoeira na Cinelândia. Foto de Carina Folena.
Imagem 26: Labirinto de Vidro com Teatro Municipal ao fundo. Foto de Carina Folena.



Imagem 27: Alunos de Arquitetura e Urbanismo da UFJF à frente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Foto: Antônio Agenor Barbosa.


Poucos minutos de caminhada e, enfim, chegamos à Lapa. Em meio à costumeira movimentação noturna, visitamos a Escadaria do Selarón, a famosa escada que liga a Lapa ao Bairro de  Santa Tereza e que foi toda revestida por mosaicos de azulejos, vindos de todas as partes do mundo, pelo artista chileno Jorge Selarón. Esse é mais um espaço livremente apropriado pelos usuários, mesmo no período noturno. Várias tribos urbanas juntamente a turistas sentam-se nos degraus da Escadaria do Selarón para conversar, dividir uma bebida, tocar violão ou mesmo apreciar a ambiência urbana ali conformada pelos mosaicos de cores vibrantes.

É interessante perceber que as ruas da Lapa, em geral, possuem esse caráter de liberdade no uso do espaço público: barraquinhas vendendo bebidas, comidas e artesanatos, se dispõem nas vias, atraindo um público diversificado e que, literalmente, “faz sua festa na rua”, festa esta animada por músicos que embalam as noites com ritmos regionais e fazem das vias um grande salão, onde é possível se socializar, dançar, comer e beber sem desembolsar quantias exorbitantes.   

Passando por essas ruas descontraídas e animadas, chegamos aos Arcos da Lapa, o aqueduto do Rio Carioca, que é considerado a maior obra arquitetônica empreendida no período colonial. A estrutura do aqueduto chamou a nossa atenção na noite, contudo os atos de vandalismo a esse importante patrimônio, como pichações, devem ser encarados com atenção. Isso não quer dizer que não haja espaço para intervenções criativas no entorno dos Arcos, ali bem próximo, um trabalho de grafite ilustrando a figura do malandro da Lapa chama atenção pela irreverência e criatividade na apropriação do espaço urbano.



Imagem 27: Escadaria do Selarón na Lapa. Foto de Carina Folena.
Imagem 28: Detalhe do trabalho de mosaico na Escadaria, com a própria figura de Selarón. Foto de Carina Folena.



Imagem 29: Arcos da Lapa. Foto de Carina Folena
Imagem 30: Grafite ilustrando o “Malandro da Lapa”. Foto de Carina Folena.

  • Sábado, dia 27/10/2012
No sábado pela manhã, o grupo se reuniu no Largo da Carioca, de onde partiu para uma caminhada até o Aterro do Flamengo. No caminho, foi observado o Convento de Santo Antônio, localizado no morro de mesmo nome e que, juntamente com a Igreja de São Francisco, forma um dos mais antigos e importantes conjuntos coloniais do Brasil. O Edifício Avenida Central também foi destacado por sua estrutura integralmente metálica. Mas um ponto que chamou atenção é a arte pública inserida nas vias centrais, em especial a intitulada “O Passante” de autoria de José Resende, que reproduz o caminhar do transeunte em uma escala que possibilita a interação do pedestre, seja na captação visual ou passando por entre a escultura. (VER O MAPA 3)


MAPA 3 – Roteiro da terceira parte da viagem de estudos ao Rio de Janeiro no sábado.
  


Imagem 31: Edifício Avenida Central. Foto de Carina Folena.
Imagem 32: Arte Pública “O Passante”. Foto de Carina Folena.

Continuamos a caminhada em direção às sedes da Petrobrás e do BNDES, marcos do conjunto empresarial da área central de negócios da cidade: as características com inspirações modernas (como os brises, as fachadas livres, o terraço jardim, o sistema estrutural aparente, etc) logo saltam aos olhos nesses edifícios. Foi interessante observar as soluções de projetos, como a mudança de direcionamento dos brises no prédio da Petrobrás nas orientações de fachada para leste e oeste (verticais) e norte (horizontais).
 


Imagem 33: Sede Petrobrás. Foto de Carina Folena.
Imagem 34: Sede BNDES. Foto de Carina Folena.

Depois foi a vez de conhecer a Rua da Carioca, um local permeado por exemplares ecléticos, que abrigam um grande número de lojas de instrumentos musicais. Nela visitamos o Cine Íris, construído no início do século XX, em estilo Art Nouveau que, atualmente, só exibe filmes eróticos para um público adulto. Esse foi um final comum a muitos cinemas de rua, que quando não fecharam suas portas cederam a esse tipo de programação. Embora o público do cinema esteja restrito, podemos considerar como uma vitória sua manutenção, inclusive funcional, ainda mais em uma vizinhança que, a contragosto de seus proprietários, vem se tornando foco de atuação de tantos interesses divergentes.




Imagem 35: Rua da Carioca. Foto de Carina Folena.
Imagem 36: Cine Íris. Foto de Carina Folena.
Imagem 37: Apelo pelo patrimônio edificado. Foto de Carina Folena.

Seguimos para a Rua Gonçalves Dias e a próxima parada foi na tradicional Confeitaria Colombo, fundada em 1894, famosa não só por seus produtos como também pelo requinte de suas instalações, rebuscadamente ornamentadas e repletas de vitrais e espelhos que impressionam pelas dimensões.



Imagem 38: Rua Gonçalves Dias. Foto de Carina Folena.
Imagem 39: Interior da Confeitaria Colombo. Foto de Carina Folena.

Na parte da tarde, visitamos a Praça XV. Ali fomos dispensados pelo professor para que, em pequenos grupos, pudéssemos desvendar áreas do entorno da Praça XV a partir do nosso próprio olhar e sob os nossos interesses específicos e não apenas seguindo um roteiro pré-determinado pelo professor. O grupo se dividiu entre as exposições do Paço Imperial, antiga residência da família real no período colonial que funciona atualmente como espaço cultural, os restaurantes e bares do Arco do Teles e a Feirinha de antiguidades que funciona embaixo do Elevado da Perimetral. Mais uma vez pudemos experimentar as variadas apropriações do espaço público e a exploração da paisagem histórica central.

O Elevado da Perimetral foi responsável por um grande dano à ambiência urbana tanto da zona portuária do Rio de Janeiro, quanto de seu Centro. Uma estrutura desse porte impacta o espaço não só do ponto de vista visual como também do conforto ambiental, ainda assim é interessante ver como um elemento tão controverso e adverso, que limou parte da história da cidade, ao mesmo tempo ajuda a recontá-la a partir das ações dos usuários. A feira introduz, à sombra do elevado, cores, cheiros e culturas: são variadas barraquinhas, algumas delas guardam registros importantes da história da cidade e do país, democratizam o acesso à leitura, à música, e conferem àquele espaço um significado único.

Para muitos alunos o Arco do Teles abrigou a nossa parada para o almoço. A estreita travessa delimitada por construções coloniais possui uma ambiência urbana muito interessante, aspecto apropriado pelos comerciantes locais, em grande parte ligados ao setor gastronômico, que se valem da beleza arquitetônica do local, como atrativo para os seus estabelecimentos, utilizando a via como local de disposição de mesas e potenciais espaços para músicas ao vivo, dinamizando consideravelmente a área.



Imagem 40: Feira de antiguidades da Praça XV, sob o Elevado da Perimetral. Foto de Carina Folena.
Imagem 41: Entrada do Arco do Teles a partir da Praça XV. Foto de Carina Folena.




Imagem 42: Ambiência da travessa do Arco do Teles. Foto de Carina Folena.
Imagem 43: Apropriação do espaço na paisagem histórica pelos estabelecimentos comerciais. Foto de Carina Folena.

Cerca de uma hora e meia depois que nos separamos em pequenos grupos, reencontramos o professor Antônio Agenor e a nossa caminhada, num único grupo, continuou em direção ao Palácio Tiradentes, onde hoje funciona a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, um edifício imponente que mistura linguagens de vários estilos (característico dos edifícios ecléticos). O Ministério da Fazenda e o edifício do MEC foram as paradas seguintes: os dois exemplares foram construídos no mesmo período e, apesar disso, têm linguagens completamente diferentes. O primeiro é um edifício acadêmico, mais robusto e de materiais e composição que lembram muito o estilo Neoclássico. O segundo praticamente dispensa descrições, pois trata-se de um ícone da arquitetura Moderna nacional e internacional, se ergue sobre pilotis e traz consigo grandes aberturas em vidro, protegidas por brises horizontais na fachada norte, de maior incidência solar, terraço jardim e paisagismo assinado por Burle Marx e uma relação com o entorno que não deixa dúvidas sobre sua origem.

Aliás, relações são a tônica do projeto de Lúcio Costa em parceria com Le Corbusier, Reidy, Oscar Niemeyer e outros nomes da arquitetura moderna, que substituiu o vencedor do concurso, considerado acadêmico demais para a nova mentalidade que se pretendia instaurar através da figura do Ministério da Educação e Saúde. Todo o projeto foi pensado articuladamente com o desenvolvimento artístico e paisagístico da arquitetura. Esculturas, painéis de Portinari e arranjos paisagísticos conferem ao edifício uma qualidade arquitetônica, ambiental e visual ímpar.


Imagem 44: Alunos de Arquitetura e Urbanismo da UFJF à frente do painel de ajulezos de Candido Portinari, no Palácio Capanema, no Rio de Janeiro. Foto: Antônio Agenor Barbosa.

O cronograma apertado e a ida num fim de semana não favoreceram uma visita interna ao edifício, o que aumentou a nossa vontade de conhecer os espaços interiores de uma obra tão paradigmática no contexto arquitetônico brasileiro, mas pudemos imaginar o quão agradável era o trabalho no ministério, com as aberturas generosas que davam para a Baía de Guanabara. Infelizmente essa visada hoje em dia é prejudicada pelos demais edifícios do entorno, contudo ficam como pontos fortes a abertura ao espaço público, que favorece a livre circulação e apropriação dos jardins do edifício, e que tornam esse espaço atemporal.



Imagem 45: Palácio Tiradentes. Foto de Carina Folena.
Imagem 46: Ministério da Fazenda. Foto de Carina Folena.






Imagens 47, 48, 49 e 50: Antigo Ministério da Educação e Saúde. Foto de Carina Folena.

A nossa caminhada estava se aproximando de seu final e então seguimos para o MAM, Museu de Arte Moderna, localizado no Aterro do Flamengo, cujo projeto é de autoria de Affonso Eduardo Reidy. O complexo de concreto aparente é um marco moderno no Rio e emoldura a paisagem da Baía de Guanabara e do Aterro.

O grande destaque da visita ao MAM ficou a cargo da passagem pela loja Novo Desenho, onde fomos recebidos pelo seu proprietário, o Designer Túlio Mariante. O estabelecimento comercial tem foco na exposição e venda de peças desenvolvidas única e exclusivamente por designers brasileiros, ou fixados no Brasil. Fazem parte do acervo peças de roupa, mobiliário, acessórios, enfeites e artigos de utilidade. Todos os elementos são identificados com o nome do autor e as explicações fornecidas pelo proprietário do local elucidaram muitos aspectos do processo criativo das peças e também nos levaram a desenvolver uma consciência de que o design se difere da simples manufatura porque carrega consigo uma linha de pensamento e de concepção, que faz de cada objeto ali disponível, especial.
 


Imagem 51: MAM. Foto de Carina Folena.
Imagem 52: Espelho d’água no MAM, ao fundo loja Novo Desenho. Foto de Carina Folena.

A visita a parte do Parque do Flamengo também foi muito proveitosa para vivenciarmos os usos e apropriações das áreas verdes em um dia de altas temperaturas e grande incidência solar. Foi interessante ver como os gramados sediam nos fins de semana pequenas rodas de toque de bola entre amigos; na sombra das árvores um grupo de mulheres se divertia fazendo um piquenique; mais adiante casais apreciavam a paisagem da Marina da Glória e a brisa vinda do mar; não tardou para que nós mesmos repousássemos no gramado sob a sombra das árvores; mas as ciclovias e passeios estavam repletas de ciclistas e skatistas, que mesmo com o calor intenso se exercitavam nos canais de circulação do parque.





Imagens 53, 54 e 55: Múltiplas apropriações do espaço no Parque do Flamengo. Fotos de Carina Folena.

A caminhada continuou até o Monumento aos Pracinhas e ao museu dedicado aos mortos na Segunda Guerra Mundial, um espaço monumental e que desperta os mais variados sentimentos, seja através da morfologia, dos dizeres ou painéis que constituem a construção. Todos esses elementos, que transmitem ao usuário uma atmosfera de austeridade e respeito, integrados à beleza da paisagem do Aterro do Flamengo, conferem um senso de paz, pertinente aos que perderam a vida na guerra.



Imagens 56 e 57: Monumento aos Pracinhas sob duas perspectivas. Fotos de Carina Folena.

Na bela paisagem do Aterro do Flamengo foi encerrada a nossa intensa viagem de estudos de dois dias ao Rio de Janeiro. Muitos foram os aprendizados desenvolvidos durante as visitas, muitas foram as histórias ouvidas na ruas, contadas pelos personagens da urbe, muito proveitosa também foi a autonomia que nos foi dada pelo professor para nos movermos livremente pela cidade. Pudemos de fato vivenciar a verdadeira Cidade Maravilhosa, não aquela dos hotéis e dos deslocamentos por automóvel, mas sim a das ruas, dos espaços públicos, dos usos que lhes são conferidos e dos usuários que os dinamizam.

Ver a cidade pela perspectiva do transeunte é fundamental para buscar o equilíbrio entre o meio urbano e a arquitetura , solucionando com cuidado as questões inerentes a esse espaço de transição, tão importantes para as nossas vidas.

* Carina Folena e Isadora Monteiro são alunas do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF – MG) e, convidadas pelo Professor Antônio Agenor Barbosa, participaram da viagem de estudos ao Rio de Janeiro e, a partir de suas impressões de viagem, escreveram este relato.


Por Vitor Wilson

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