domingo, 8 de julho de 2012

Uma Cidade Contemporânea para 3 Milhões de Habitantes

Este post trata do projeto para A Cidade Contemporânea para 3 Milhões de Habitantes, apresentado em 1922 por Le Corbusier, e procura expor informações, teorias e justificativas apresentadas por Le Corbusier em seu livro Urbanismo (LE CORBUSIER, 2000).


O projeto da Cidade Contemporânia para 3 Milhões de Habitantes não é absolutamente claro em todos os seus aspectos, características e detalhamento de execução. De fato, sendo a principal preocupação de Le Corbusier, ao apresentar o projeto desta cidade-modelo, o fornecimento de diretrizes para o urbanismo moderno e para intervenções em cidades existentes, dedicou-se mais em deduzir, justificar e defender esses princípios do que em aprofundar detalhes construtivos. Por outro lado, ao longo de sua vasta obra publicada, Le Corbusier não raro faz novos comentários e fornece novos dados sobre este projeto, exigindo o percurso de boa parte de sua obra publicada para a organização dessas informações.
Palavras-chave: Urbanismo, Cidade Contemporânea, Cidade Industrial, Cidade Jardim, traçado regular e arranha-céus.

Em novembro de 1922, Le Corbusier expôs um projeto de uma cidade de três milhões de habitantes, no Salão de Outono de Paris. Sua obra, no entanto, não foi entendida por todos e causou o espanto de alguns. Mais tarde, então, foi solicitado a escrever um estudo que apresentasse os novos princípios do urbanismo, e decidiu responder às questões levantadas sobre seu projeto. Seu texto Uma cidade Contemporânea (p.155-234) apresenta todas as propostas do plano da cidade com especificações sobre terreno, população, densidades, ruas, arborização e trânsito.

O texto divide-se em três partes: Uma Cidade Contemporânea; A Hora do Trabalho; A Hora do Repouso. Na primeira parte, Le Corbusier destaca e sintetiza os aspectos técnicos de seu projeto, justificando e explicando as escolhas feitas. Fala sobre estética, economia, perfeição e espírito moderno. A segunda parte se preocupa em demonstrar o raciocínio da cidade e suas conseqüências naturais, excluindo-se casos específicos. O arquiteto utiliza de sistemas e imagens. A terceira parte corresponde ao problema de habitação e organização dos bairros residenciais e ao esporte, que aparece como solução para “as horas vazias” na cidade contemporânea. 
Cidade contemporânea para 3 milhões de habitantes, Le Corbusier (1922)
A primeira parte trata de aspectos técnicos projetuais utilizados por Le Corbusier. Em um primeiro momento ele foge de casos específicos para se permitir um terreno ideal. Para ele, o objetivo não era vencer estados de coisas pré-existentes, e sim conseguir, ao construir um edifício teórico rigoroso, formular princípios fundamentais de urbanismo moderno. Em seguida, partiria para os casos específicos, quaisquer que fossem como Paris, Londres, Berlim, Nova York ou um minúsculo lugarejo. Para ele, o terreno plano era o ideal e o rio deveria passar longe da cidade, pois era um lugar somente utilizado para troca de mercadorias ou triagem.

A população era dividida em urbanos, que são as pessoas que têm negócios e moram na cidade; suburbanos, que trabalham na periferia e moram na cidade-jardim; e mistos, que trabalham no centro de negócios, mas criam a família na cidade-jardim. Essa divisão possibilitou resolver facilmente o problema da cidade, da cidade industrial, da cidade-jardim e dos transportes. Quanto à densidade, para ele, quanto maior ela é menores são as distâncias a serem percorridas. Logo, o lugar mais denso deveria ser o centro das cidades, sede dos negócios. Em contrapartida, a cidade deveria aumentar sua densidade ao mesmo tempo em que aumenta as superfícies arborizadas. Concluiu, então, que o centro deveria crescer vertical.

Na rua, as canalizações deveriam ser acessíveis em toda parte. O trânsito foi classificado por classes: caminhões de carga, veículos passeadores e veículos rápidos. E as ruas foram divididas em três níveis para atender tais classificações: no subsolo, os caminhões de carga; no térreo, o sistema das ruas normais; e em passarelas, as vias de circulação rápida em mão única.

O número de ruas deveria ser diminuído em dois terços, pois o cruzamento de ruas é inimigo do trânsito. A distância normal das ruas deveria ter a média de 400 metros. Apenas uma estação subterrânea estaria no centro da cidade e, seu telhado constituiria o aeroporto-táxis. No plano da cidade, os princípios fundamentais eram: descongestionamento do centro das cidades; aumento da densidade; aumento dos meios de circulação; aumento das superfícies arborizadas. Existiria uma grande travessia para veículos rápidos, norte-sul e leste-oeste.

Planta da Cidade Contemporânea para 3 milhões de habitantes, Le Corbusier (1922)

As cidades-jardins seriam um largo cinturão. No centro: vinte e quatro arranha-céus podendo conter de 10.000 a 50.000 empregados cada um; habitações de cidade, loteamentos “com reentrâncias” ou “fechados”, de 600.000 habitantes. As cidades-jardins: 2.000.000 de habitantes, ou mais. Na praça central: cafés, restaurantes, comércios de luxo, salas diversas. De acordo ainda com a densidade e arborização, em um estudo mais aprofundado: um arranha-céu teria 3.000 habitantes por hectare e 95% de sua superfície arborizada; loteamentos com reentrâncias, 300 habitantes por hectare e 85% de sua superfície arborizada; loteamentos fechados, 305 habitantes por hectare e 48% de sua superfície arborizada. 
Área Central da Cidade, Le Corbusier (1922)


Arranha-céus, Le Corbusier (1922)

Le Corbusier ainda fala de uma zona não edificável com o aeródromo, que seria uma zona para qualquer construção, para a extensão do centro; bosques, prados, terrenos de esportes. Por fim, faz um apanhado sobre estética, economia, perfeição e espírito moderno, mostrando as possibilidades de se obter resultados utilizando-se destes preceitos. “A cidade atual está morrendo por não ser geométrica. Construir ao ar livre é substituir o terreno irregular, insensato, que é o único existente hoje, por um regular. Fora disso não há salvação.”

A segunda parte é uma demonstração do resultado do raciocínio prosseguido em suas conseqüências naturais, mais uma vez excluindo casos específicos para sua posterior resolução. Fala sobre o embrião de organização de um arranha-céu proveniente da América e as divergências quanto a sua utilização em Nova York e a sua concepção.

“Nova York está errada, e o arranha-céu conserva seus direitos. Condensar a população e descongestionar a rua devem ser as duas faces da mesma e única moeda; uma não existe sem a outra. [...]De fato, esses arranha-céus encerram o cérebro da Cidade, o cérebro do país inteiro. Representam o trabalho de elaboração e de comando pelo qual se regula a atividade geral. Tudo se concentra aí: aparelhos abolem o tempo e o espaço, telefones, cabos, rádios; os bancos, as operações comerciais, os órgãos de decisão das fábricas: finanças, técnica, comércio. A estação fica no meio deles, os metrôs ficam embaixo, as duas vias passam a seus pés. Ao redor, o espaço é amplo. Os carros podem ser inumeráveis; estacionamentos cobertos, ligados por passagens subterrâneas, concentram utilmente esse exército circulante acampado aqui todos os dias e que por vias livres desempenham doravante o papel de vedetas rápidas. O aviões chegam ao centro, sobre a estação; quem sabe eles não chegarão com a mesma exatidão ao terraço elevado dos arranha-céus para de lá se lançarem sem perda de um minuto para o interior e mais além das fronteiras. Dos quatro pontos cardeais, as grandes linhas de estrada de ferro levam ao centro. Cidade ideal!” (Le Corbusier)

Em um terceiro momento Le Corbusier, relata sobre a falta de espaços verdes nas cidades, e o quanto isso é nocivo à saúde do homem, da natureza e até mesmo das cidades. Além disso, fala da utopia criada pelas cidades-jardins, de terem espaços reservados ao lazer e aos esportes próximos as casas.

Zona Intermediária, Le corbusier (1922)
Sobre a Cidade-jardim, aqui são apresentadas duas soluções para o problema das moradias. Na primeira “solução ideal”, que consistia em implantar o sobradinho em um lote de 400m², onde ter-se-ia um jardim ornamental e um pequeno pomar, porem a manutenção seria maior que seu retorno. Na segunda a “solução preconizada” é a implantação de um sobrado com dois andares de 50m² cada. Assim sobrariam 300m² disponíveis, destes 150m² destinados a pratica de esportes e o restante ao cultivo. Ruas curvas, ruas retas. Com uma análise de onde devem ser empregados esses dois tipos de ruas, tem-se as seguintes constatações: a rua reta orienta, portanto uma rua de trabalho, onde a praticidade vigora. Já a rua curva é de repouso e desorienta, é uma para se percorrer a pé. Sobre a liberdade pela ordem, tem-se uma reflexão sobre a liberdade e a ordem no espaço em que vivemos. Considerando que cada apartamento é uma célula, onde nos sentimos livres. O agrupamento dessas células nos garante a ordem e esta ordem nos gera a liberdade.

Sobre a série, ao desenvolver suas idéias sobre a questão da estética, economia, perfeição, de espírito moderno, o arquiteto assegura sua intencionalidade de demonstrar que ao construir ao ar livre

A cidade atual está morrendo por ser não-geométrica. Construir ao ar livre é substituir o terreno irregular, insensato, que é o único existente hoje, por um terreno regular. Fora disso, não há salvação. Consequência dos traçados regulares: a Série.

Por sua vez, a série traz como desdobramento a padronização, ou seja, o standard, a perfeição. A série, então, é considerada a criação de padrão, e assim, a perfeição. Torna-se impensável a solução do problema da habitação fora da série, na medida em esta passa a dominar a produção industrial, os canteiros de obra, as organizações em geral. A lógica dos loteamentos fechados com alvéolos combina com a lógica que orienta a produção em série. A paisagem urbana, segundo ele, torna-se um espetáculo desagradável ao olhar, na medida em que as casas desenham recortes contra o céu e afetam todo o horizonte urbano, e a quase totalidade das ruas se apresentam como uma linha quebrada, brutal, contrastante, sobrecarregada de obstáculos. A superação dessas condições pode ser pensada mediante o fim da rua-corredor, e a criação da extensão da paisagem urbana.
“Ao desenhar os loteamentos com reentrâncias, espalho esse horizonte longe à direita e longe à esquerda e, mediante voltas sobre o eixo longitudinal, componho arquiteturalmente: a linha outrora seca do corredor encerra agora prismas, acusa recuos e saliências, a parede árida e enervante do corredor é substituída por volumes que se justapões, se afastam, se aproximam, criam uma viva e monumental paisagem urbana”, afirma Le Corbusier.

Importante conjugar, do ponto de vista estético, elementos geométricos e elementos pitorescos das vegetações. Em arquitetura, o trabalho é realizado por meio dos contrastes relativos ao grau de complexidade, dimensão de tamanho, graciosidade e resistência dos elementos. Não se pode esquecer que o homem, enquanto ser social, precisa satisfazer a necessidade de estar em contato com os outros homens, e isto exige pensar na escala humana ao compor as enormes construções, os arranha-céus, determinadas pelas necessidades práticas e financeiras. A arquitetura em escala humana foi abandonada, nas cidades do século XIX. Ao tratar da importância de resgatar a escala humana, o autor explica que

Basta colocar bem o problema; dispor o verde e criar traçados urbanos infinitamente mais ricos do que a rua corredor com a qual, até agora, entristecemos, sem moderação, nossos corações.

Ao pensar e analisar os sentidos da vida coletiva é possível compreender e explicar os movimentos que objetivam alcançar a altivez cívica necessária se atingir novos marcos históricos que se traduzem na satisfação da obra bem nascida e passível de desenvolvimento e de grandeza.   As obras materiais da arquitetura expressam a altivez cívica, a exemplo dos Partenons, entre outras. A altivez, é a alavanca das massas. A razão e a paixão emergem como aliadas para resultar numa obra construtiva e superar o maquinismo.

Nosso mundo, como um ossário, está coberto dos detritos de épocas mortas. Cabe-nos uma tarefa: construir o contexto de nossa existência. Retirar de nossas cidades as ossadas que nelas apodrecem e construir as cidades de nosso tempo.


Termos e conceitos fundamentais:

Entressolho: (ô) sm (entre+solho) 1 Vão entre o pavimento da loja e o do primeiro andar; sobreloja. Espaço entre o chão e o solho. Pl: entressolhos (ô).
Aeródromo: s.m. Terreno especialmente preparado para a decolagem e aterrissagem dos aviões; aeroporto, campo de aviação.

Referências bibliográficas:

LE CORBUSIER: 1887-1965 — Uma Cidade Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.155-234.

Por Jéssica Rossone

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