sábado, 28 de julho de 2012

"É que Narciso acha feio o que não é espelho"



Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

[...]

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

[...]

Sampa, Caetano Veloso

É isso então? Sair do narcisismo, pois o espelho patrimonial reclama? Estaríamos realmente condenados a um passadismo encantatório?

Hoje o conceito de monumento evoluiu. As discussões patrimoniais não têm como objeto um único edifício, mas sim aglomerados de edificações, bairros, aldeias, cidades inteiras e, às vezes, conjuntos destas últimas. A surpresa causada pela estética dos edifícios é sobreposta pelo encantamento provocado pela técnica e por versões mais modernas e colossais de um mesmo exemplar.

Ao longo dos tempos, vários estilos coexistiram, justapostos e contrapostos, sem ao menos a definição de patrimônio histórico existir. E agora, a indústria tem sede de modernidade.

As cidades nunca são as mesmas, nunca foram as mesmas, porém com o passar do tempo esta busca desenfreada pelo novo tem sido um agravante no que desrespeito a desigualdade social. Não podemos nos esquecer dos avanços técnicos e intelectuais que tivemos na arquitetura ao longo dos tempos, porém não devemos esquecer que nosso principal objetivo é criar ambientes agradáveis. Depois vêm as esculturas apreciáveis.

Segundo Françoise Choay, temos como definição de trabalho a competência de edificar e de memória, o conjunto da herança arquitetônica antiga. Duas representações que se fizeram extremos com o passar do tempo e que, atualmente, envolvem muito mais do que nossa profissão pode controlar.


"Nem seu valor cognitivo e artístico, nem o fato de constituir uma atração em nossa sociedade de lazer o explicam satisfatoriamente. A busca de uma resposta que envolva de forma mais profunda o caráter dessa herança em sua relação com a história, a memória e o tempo, passa, para Françoise Choay, por uma volta às origens, uma arqueologia dos conceitos de monumento e de patrimônio histórico.
Essa investigação, que abrange mais de cinco séculos, esclarece o atual culto do patrimônio e seus excessos, e investiga seus laços profundos com a crise da arquitetura e das cidades. Assim, valiosa e precária, nossa herança arquitetônica e urbana revela-se alegoricamente num duplo papel: espelho cuja contemplação narcisista mitiga nossas angústias, labirinto cujo percurso poderia nos reconciliar com esse apanágio do homem, hoje ameaçado: a competência de edificar."
"Quando deixar de ser objeto de um culto irracional e de uma valorização incondicional não sendo portanto nem relíquia nem gadget, o reduto patrimonial poderá se tornar o terreno inestimável de uma lembrança de nós mesmos no futuro." (CHOAY, 2001)

O THAU DO BLOG recomenda a leitura do livro "A Alegoria do Patrimônio", que serve tanto para repensar o que é patrimônio histórico quanro para pensarmos se o que estamos construindo um dia será tomado como tal.

Leia o texto na íntegra: A Alegoria do Patrimônio

Por Jéssica Rossone

Busca

    Visualizações da página

    Translate