sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Entrevista: Arquiteto Nikola Arsenic – ARSENIC Arquitetos Associados

Inicialmente convidado para responder à entrevista (veja abaixo as 14 perguntas formuladas pela Equipe de O THAU do BLOG) com perguntas e respostas em separado, fomos surpreendidos positivamente pelo envio de um belíssimo depoimento sobre a sua vida e sobre a própria produção do Arquiteto Nikola Arsenic, (o primeiro entrevistado da série), um sérvio que chegou ao Brasil em 1998 e que nos brindou com uma importante contribuição sobre os desafios de se produzir arquitetura nos dias atuais tanto aqui no Brasil como no exterior, aonde também vem atuando. Deixamos aqui o registro de agradecimento especial ao Arquiteto Nikola Arsenic e à equipe do seu escritório pela maneira gentil e muito prestativa com que sempre atendeu às solicitações da Equipe Editorial de O THAU DO BLOG. Cabe registrar que toda a elaboração e produção desta entrevista foi realizada pela aluna Daniela Pereira Almeida, da Equipe Editorial.

                                                                                                                                                    Antônio Agenor Barbosa
Coordenador de O THAU DO BLG
                                                                                             Daniela Pereira Almeida
    Equipe Editorial de O THAU DO BLOG

Perguntas formuladas para o Arquiteto Nikola Arsenic.

1.Você nasceu em Belgrado, como chegou até Juiz de Fora? Porque resolveu ficar?
2.Qual é a sua formação acadêmica?
3.A respeito da escolha pela escola de Arquitetura e Urbanismo. Como e em que momento surgiu a vontade de ser arquiteto, o que isso representava para você?
4.Durante sua formação acadêmica, quais arquitetos que mais lhe influenciaram?
5.Ao se formar, já se sentiu apto e seguro para atuar como arquiteto? Como surgiu a idéia de trabalhar em um escritório próprio? Como estava o mercado na época em que você finalizou a graduação? Houve uma fácil aceitação do seu trabalho ou foi necessário um período maior para entrar efetivamente no mercado da construção?
6.Fora a arquitetura você tem alguma outra aptidão ou desenvolve outro tipo de atividade?
7.Recentemente você terminou sua associação com Ueslei Bonin, no escritório Arsenic e Bonin. Você mantém agora sozinho um próprio escritório?
8.Você é professor do curso de arquitetura e urbanismo no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-JF). Quais disciplinas você leciona? O fato de você ser professor influencia na hora de projetar pelo seu escritório?
9.Quais são as suas principais referências estéticas e projetuais ao desenvolver um trabalho?
10.Seu escritório tem muitos projetos em vários lugares além de Juiz de Fora. Que outras cidades você tem atuado?
11.O escritório Arsenic e Bonin tem muitos projetos em Luanda, Angola. Como se deu essa oportunidade?
12.O que você acha da arquitetura que está sendo feita em Juiz de Fora nos dias atuais?
13.O que você tem a dizer para os jovens estudantes de arquitetura? Que sugestões e conselhos tem a dar para quem está prestes a entrar no mercado profissional?
14.Enumere alguns livros que você julgue essenciais para a boa formação de um arquiteto/urbanista. Em que ponto esses livros mudaram a forma de você pensar e avaliar a sua própria produção?

Respostas recebidas em forma de depoimento.
Por Nikola Arsenic.


Nasci em 1971, na cidade de Belgrado (Sérvia), capital da então Iugoslávia, na confluência dos rios Danúbio com o Sava. Era um belo País de diversidade étnica e beleza natural cujo equilíbrio social e sendo um importante pólo industrial faziam com que a região dos Bálcãs “contaminasse” com seu espírito cosmopolita todo Leste Europeu.

Sob a grande influência do ofício que meu pai, tias e tios, todos arquitetos, exerciam com tanto gosto, cresci engatinhando entre papel vegetal, maquetes e muitas lapiseiras. A decisão de continuar caminhando por esse ambiente de trabalho familiar, portanto foi natural e espontânea. Nem parecia ser tanto uma grande decisão, mas muito mais a lógica da preservação e da continuidade de valores e conhecimentos já agregados.



(Clique no post para continuar lendo...)


Formei na Escola de Arquitetura de Belgrado em 1991 (aos 20 anos) e tomado pelo gosto da profissão, continuei meus estudos na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Belgrado, durante mais quatro anos quando meus estudos foram interrompidos pela guerra civil.

Ao longo da minha formação profissional os arquitetos que mais me influenciaram eram aquelas Pessoas que me cercavam, com as quais eu mais convivia. A começar pelo meu pai, um severo perfeccionista e a continuar por meus Professores e Colegas dos quais alguns se tornaram amigos, concorrentes ou mentores. Com todos aprendi muito.

Sempre tive acesso a farta literatura técnica e boas revistas de arquitetura, mas hoje sinto que seria justo dizer que algumas das “estrelas” da época me influenciaram tanto quanto os exemplos vivos ao meu redor.

Testemunhei os tempos difíceis da desintegração do meu País ao longo dos anos 90. Servi ao exército da União que tentou preservá-la. Ao sair da guerra, tentei constituir minha própria família, mas as condições gerais não favoreciam a construção de nada. Desiludido com este insucesso trabalhei muito, observando silenciosamente, durante alguns anos, a minha geração, assombrada pelo baixo astral que a devastação da guerra nos deixou. Resolvi então partir para o que veio a ser a grande aventura da minha vida...

Buscar um lugar para recomeçar a vida, quando a gente é muito jovem fica mais fácil. Muitos sonhos nos olhos, pitadas de aventura e desejo de ir mais longe, muito longe de tudo que não deu certo, bastam para se iniciar uma longa viagem. Não sabia, no entanto, o quanto custava ficar para conquistar meu lugar no mundo...

A escolha do Brasil veio de forma surpreendente, como desejo de algo muito diferente e distante em relação a tudo que conhecia até então. Como não sabia aonde exatamente ir ao Brasil e como o País não mantinha a sua política de imigração aberta, encaminhei uma carta a todas as Universidades Federais do País com pedido de estudar “Português para Estrangeiros”, a fim de obter um visto estudantil que me permitiria ficar aqui até um ano, tempo suficiente para decidir se seria essa mesmo a minha escolha.

As primeiras respostas que recebi àquelas cartas vieram de Minas Gerais, da UFJF e UFMG, exatamente nesta ordem! Escolhi Juiz de Fora, portanto, porque era uma cidade que estava bem próxima de um aeroporto internacional, era uma cidade mais barata para se viver e também porque foi a primeira em mostrar interesse em responder à minha carta.

Recomeçar a vida no Brasil no ano de 1998 foi tudo de bom. Fui acolhido pelos Mineiros em geral e pela família do Luiz Cezar e Onila Falabella em especial, parti para a construção do meu “mundo novo”. Sempre trabalhando muito e viajando, explorando a fundo as próprias escolhas, a reconstrução da base se deu “por baixo”. Eram anos difíceis, mas interessantes e alegres que mesclavam muito entusiasmo a alguma nostalgia, ocasionalmente. Como não conseguia a revalidação do meu Diploma de Arquiteto, acabei por me graduar novamente como Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2005. Nesse mesmo ano casei com a Raquel Werneck, sendo assim o amor, a razão definitiva para ficar em Juiz de Fora, cidade que me escolheu e me acolheu.

Detalhe da mesa de trabalho do arquiteto.

Em 2006 fui organizador da participação da seleção brasileira de arquitetos na VIII Trienal Internacional de Arquitetura de Belgrado. O evento incluiu nomes importantes da arquitetura nacional, como Paulo Mendes da Rocha, Gustavo Penna, Siegbert Zanettini, Isay Weinfeld, Marcio Kogan, e Carlos Bratke, dos quais alguns foram até lá pessoalmente  para participar do evento. Todos foram muito solícitos e interessados em participar e foi muito enriquecedor trocar figuras com esses  “pesos pesados” da arquitetura brasileira...

Foi naquele ano que convidei o jovem e promissor colega da sala, Ueslei Bonin para me acompanhar e ajudar em constituir um escritório de arquitetura, próprio. Nasceu assim Arsenic Bonin Arquitetos, que cresceu de forma rápida e surpreendente, logo se estabelecendo como um dos importantes escritórios de arquitetura na cidade de Juiz de Fora e região. O mercado na época não parecia ser tão promissor, mas percebia logo que o longo período de estagnação da construção civil na região estava acabando. Criar um escritório e transformá-lo em empresa organizada e eficiente era a tônica do então momento. Nem imaginava o quanto ainda tinha que aprender e empreender, mas estava decidido e seguro que aquele era o caminho. No Brasil, trabalhar por conta própria é um desafio, mas compensa para quem o encara da forma responsável. Profissionalmente, já me sentia mais seguro, pois já tive muitas horas de trabalho e treino em arquitetura, atividade sedutora e exigente, que não permite hobbies...

Ainda em 2006, tornei-me Professor de Projeto no Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-JF).  Essa experiência foi fundamental para reacender a minha chama profissional e repensar metodologias tanto para seu ensino quanto para o trabalho e seus complexos processos diários no escritório. A prática do ofício aliada ao ensino e pesquisa é uma receita imbatível para permanente atualização profissional. E o trabalho com jovens, é reanimador!

Dessa experiência acadêmica surgiu uma importante parceria com então estudantes do Curso de Arquitetura do CES, Henrique Gonçalves e Thiago Beck, numa pesquisa de mercado de edifícios residenciais multifamiliares, que resultou em processo de inovação de uma solução arquitetônica hoje patenteada pela INPI (Instituto Nacional de Propriedades Industriais), que possibilita ganho de espaço residencial relevante e que para tanto não exige recursos adicionais materiais ou físicos na sua construção.

Maquete física da solução arquitetônica com ganho de espaço.

Como fruto de uma fase tão fértil, em 2008, defendi meu Mestrado em Engenharia Civil com ênfase no Gerenciamento de Empreendimentos pela Universidade Federal Fluminense, sob o tema: “Identificação do Processo de Ensino e Aprendizagem da Disciplina Projeto no Curso de Arquitetura e Urbanismo na cidade de Juiz de Fora/MG”.

Mais uma repercussão interessante desse contexto acadêmico foi a nossa participação ativa em diversos concursos e exposições nacionais e internacionais de Arquitetura, sempre estimulada pelo Henrique, recebendo, em alguns casos, prêmios e homenagens. Publicação do projeto “Pavilhão da Sérvia em Xangai”, no livro “Great Vision for Future – Competition Projects for the World Expo 2010 Xangai”, em 2009, era uma façanha memorável.

Em 2011, após 5 anos de uma excelente experiência profissional que nos permitiu crescer e aprender muito e com saldo empreendedor positivo, o Ueslei Bonin decide sair do escritório para iniciar próprio caminho profissional.

Agora sob o nome Arsenic Arquitetos Associados, o escritório admite novos profissionais totalizando assim hoje 7 (sete) arquitetos já formados, distribuídos numa organização funcional completa, contando comigo como gestor e (1) arquiteto sênior, 2 (dois) arquitetos plenos e 4 (quatro) arquitetos Junior, em postos de coordenadores, projetistas, pesquisadores e desenhistas nos setores de Prospecção, Criação, Comunicação e Arte, Pesquisa e Desenvolvimento, Coordenação, Processos Legais e no Setor Administrativo-Financeiro. Este quadro técnico sempre conta com apoio de 6 a 8 estudantes de arquitetura, tanto do curso do CES quanto da UFJF, que contribuem significativamente com sua produção, complementando assim sua aprendizagem acadêmica.


Nikola e sua equipe de arquitetos e estagiários.

Acreditamos na “construção coletiva” e “liderança compartilhada” e procuramos com que esse espírito de pluralidade e democracia reflita no nosso trabalho e tomada de decisões ao longo do processo como todo.

Nosso foco continua o mesmo: criação, desenvolvimento e coordenação de projetos e serviços de consultoria, baseado em metodologia de gestão integrada de processos e com atuação ativa em todas as áreas de produção arquitetônica no Brasil e exterior.

Minha vida sempre foi marcada pela interessante dinâmica geográfica. Cresci e viajei por vários continentes e por lugares de diferentes condições sócio-econômicas e de muita diversidade cultural. Portanto sempre gostei de buscar novos desafios em novos territórios. Sou garimpeiro nato e sendo assim procurei diversificar também a minha atuação profissional em distintos mercados, nacional e internacional. Quando mais novo, ainda em Belgrado, trabalhei com outros colegas para a Rússia, então promissor mercado e tive exemplos de alguns familiares que trabalharam em alguns países da África. Isso alimentou a minha vontade em conhecer outros lugares e conhecer seus desafios profissionais. Uma vez que me estabeleci aqui, encontrei interessantes oportunidades em cidades do litoral e baixada Fluminense, interior de Minas, Norte do Brasil e África. São experiências fantásticas que exigem um envolvimento maior, mas que nos recompensam de modo a ampliar o conhecimento e conseqüentemente o amadurecimento profissional.



Meu caminho profissional me levou às conclusões, evidentemente subjetivas, mas lapidadas por vinte anos de experiência, a uma linguagem arquitetônica sensível ao conhecimento das pessoas, seus anseios e necessidades, mas também às condições morfológicas, climáticas e à propriedade das matérias para sua construção, constituindo assim um vocabulário particular que pretende realçar a grandeza do homem e importância da sua convivência harmoniosa com o contexto.

Maquete física de um dos projetos do escritório.

Mais que referências secas e preocupações estéticas abstratas, confiava sempre no belo que provinha das soluções criteriosas dadas como respostas específicas e precisas a um programa bem definido. Usar conscientemente os materiais, elementos arquitetônicos e tecnologias construtivas com conhecimento técnico, legal e honestidade plástica, zelando pela unidade formal e funcional, já me parece complexo o bastante!

Sendo um dos que contribui para o seu “acervo”, naturalmente, sinto-me permanentemente responsável pelo destino de Arquitetura e Urbanismo em Juiz de Fora. Tenho plena consciência de que nem tudo que foi ou está sendo construído teve ambição de ser “Arquitetura”, freqüentemente sendo apenas resultado de especulação imobiliária ou manipulação política. A história está repleta de exemplos...

Costumamos esquecer que atuamos em mercado de construção civil como idealizadores de uma série de bens que representam maiores valores agregados produzidos pelo homem (superado apenas pelas grandes obras de infra-estrutura) e que envolve um grande número de pessoas desde sua concepção até a sua realização. Seria ingênuo, portanto acreditar que toda a ação profissional tivesse como premissa o paradigma de “construção de um valor maior”, ou seja – ser Arquitetura. Freqüentemente contaminada por uma série de fatores muito complexos, a arquitetura infelizmente cede o lugar aos vícios do seu “meio cultural”.

Conscientes deste cenário em que o arquiteto na realidade sempre atuou, deveríamos manter os olhos e a mente bem abertos sobre o que e como estamos fazendo. Representando a “ponta da espada” de um longo processo num mercado complexo, a primeira e maior responsabilidade é nossa!

Educar e conscientizar, sempre profissionalmente ativos e rigorosos, temos que saber reconhecer os verdadeiros desafios para enfrentá-los pela frente, continuamente. Precisamos preservar a genuína vontade em permanentemente participarmos do processo de criação de um mundo melhor, porque afinal o exercício de um Arquiteto, de forma mais ampla possível a ser compreendida, é usar o seu tempo, talento e conhecimentos adquiridos como meio, contribuindo para uma construção harmoniosa, nos âmbitos sociais, econômicos e culturais.

Seguem alguns exemplos de literatura que recomendo aos estudantes:

“De Arquitetura Libri Decem” – Vitruvius,
“Saber Ver a Arquitetura” – Bruno Zevi,
“SMLXL” – Rem Koolhaas,
“Ainda Moderno” – Lauro Cavalcanti,
“Yes is More” – BIG

Estes livros que listei acima contribuem significativamente para uma reflexão ampla sobre o nosso papel em universo profissional que escolhemos. Levantam perguntas importantes e sugerem caminhos para a busca de suas respostas.


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Entrevista realizada por Daniela Pereira Almeida

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