sábado, 20 de abril de 2013

Puerto Madero - Buenos Aires


Lembro de avistar luzes douradas e uma neblina que se desfazia em meio aos arranha-céus. Essa era minha primeira visão, ainda dentro do ferry boat, em direção à Buenos Aires. Não podia ser diferente. Puerto Madero, além de ser porto, é hoje o aguilhão da Argentina.

Puerto Madero começou pelo avesso. Ao final do século 19, o rico comerciante Eduardo Madero resolveu brindar sua cidade com uma estrutura portuária adequada. No entanto, seu brinde acabou engasgando no primeiro gole. Com a chegada de barcos grandes e o aumento do fluxo das embarcações, o porto, obsoleto, caiu em desuso e foi substituído pelo Puerto Nuevo. Durante mais de 50 anos, a "orla" portenha fadou-se à decadência e ao abandono.


Já em 1989, a ex-municipalidade de Buenos Aires e a Prefeitura de Barcelona firmaram um convênio, em parceria com escritórios de arquitetura argentinos que ganharam o concurso nacional de ideias para o porto, para elaborar um plano estratégico para a região. Alguns anos depois teve-se início o que seria um dos projetos de renovação urbana mais exitosos do mundo.

O projeto elaborado pelos 3 primeiros prêmios do concurso, formam hoje parte do Código de Planejamento Urbano da cidade de Buenos Aires. A base do plano determina a racionalização da área para resgatá-la do abandono, de maneira que contribua para equilibrar os déficits urbanos do centro da cidade. Portanto grandes superfícies de espaços verdes além de acesso livre ao rio.





Croquis iniciais para o Puerto Madero
Sua localização privilegiada em frente ao centro histórico de Buenos Aires, lhe concedeu a vantagem de redefinir a silhueta da cidade e reconquistar uma nova aproximação ao rio. Engana quem pensa que o Patrimônio histórico desapareceu ou se afogou em meio à tantas mudanças. Desde 1991, há uma norma de proteção patrimonial que cobre o conjunto de docas e seu entorno, com todos os elementos de reminiscência portuária que o conformam. Para reciclar suas estruturas foi preciso ater-se à estritas condições, respeitando as fachadas e os materiais originais, com a finalidade de manter o caráter histórico do lugar. No desenho dos passeios e dos guarda-corpos dos diques se empregaram materiais e elementos do antigo porto. As antigas gruas foram recuperadas e na base de algumas delas há lojas de informações ou simplesmente guaritas que foram dispostas estrategicamente para evocar o forte espirito portuário.


Os 16 edifícios de ladrilho vermelho, que hoje em sua maioria abrigam restaurantes e casas noturnas, foram construídos entre 1900 e 1905. A proposta de novos usos dentro de sua estrutura, os mantem vivos e incorporados a nova trama urbana. São um exemplo claro da arquitetura utilitária inglesa. Alinhados em intervalos regulares em frente aos espelhos d'água dos diques, é possível ver refletidos os ladrilhos da suas fachadas e a forma abobadada de suas curvas, galerias e aberturas. Uma grande identidade do Puerto Madero.



Quando se caminha pelos calçadões que margeiam o rio pelo lado oposto aos galpões ingleses, somos faceados por uma franja de baixas edificações contemporâneas que mesclam residências, cafés ou até mesmo galerias de arte que aportam vida ao passeio público. Os bulevares trançados em correspondência com os eixos de acesso a área, conectam toda a zona com o resto da cidade; e nisso, o sistema de espaços verdes públicos articulam a escala local com a a metropolitana.

Existem também extensas áreas de reserva ecológica. Apesar de ter um acesso extremamente facilitado, não há estações de metrô ou muitas linhas de ônibus dedicadas exclusivamente a atender o bairro. Além do mais, a área já se tornou a mais cara do país, algo como 3,5 mil dólares o metro quadrado, gerando interesse de investidores e tudo o que isso pode acarretar.


 Fragata Presidente Sarmiento, o primeiro navio da Argentina que atualmente é utilizado como museu
As torres com maior gabarito ficam mais distantes do talvegue remarcando o eixo da Avenida de Mayo e estabelecendo o limite do novo frente urbano sobre o rio. A construção dessas torres sobre os bulevares Azucena Villaflor e Macacha Güemes - todas as ruas possuem nomes de mulheres importantes para a história - me parece rememorar a aspiração de Le Corbusier em construir sua Cité des Affaires sobre o rio de la Plata.

O aspecto de Puerto Madero não deve em nada à países desenvolvidos. Extremamente limpo e bem cuidado, repleto de árvores e flores coloridas. Inevitavelmente, se transformou em um centro refinado de hotéis e restaurantes de luxo, mas nem por isso deixei de ver crianças correndo e mães passeando com carrinhos de bebê ou simplesmente casais de namorados sentados à beira do rio de la Plata. Além do mais, Buenos Aires agora possui um centro financeiro, cultural e gastronômico de projeção mundial. Duvida? Norman Foster lançou seu primeiro projeto na América Latina aqui, Calatrava também. Em correspondência com o eixo histórico da cidade, Calatrava projetou a conexão entre as margens do dique 3. Inspirado em um casal dançando tango, ele desenhou uma ponte onde o mastro representa o homem que suspende por meio de cordas a curvatura central da ponte que simboliza a mulher, em um típico passo da dança. Um belo marco para Buenos Aires.

Puente de la Mujer - Santiago Calatrava

As transformações de portos urbanos constituem uma tendência que vem se repetindo, inclusive no Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro. As operações em Puerto Madero inspiraram diversas outras no mundo todo, inclusive no Rio. Cá pra nós, se o Porto Maravilha ficar parecido com Puerto Madero, eu já ficaria completamente satisfeito.


Por Vitor Wilson

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