Nascida em Hamburgo, na Alemanha, durante a 2ª Guerra Mundial a Professora Doris Komaltowski morou em vários países antes de chegar ao Brasil, país que reside atualmente. Convidada para ministrar o minicurso “O Programa na Arquitetura” durante as primeiras atividades comemorativas dos 20 anos do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, ela discorreu sobre diversos temas, disseminando sua experiência nos mais diversos assuntos relacionados à arquitetura. Transcrevemos abaixo alguns trechos da entrevista que fizemos com ela um pouco antes no início do minicurso.
O THAU do Blog: Como surgiu o seu interesse pela arquitetura?
Doris: Eu sempre estava medindo as coisas. Não sei o porquê, mas eu sempre estava medindo tudo. Meu pai era diplomata e, por isso, eu residi em vários lugares da Europa. Eu sempre estava em busca de coisas novas para observar, e Istambul me fascinava, era uma Europa diferente que me impactava. Lá tinham os prédios emblemáticos, como mesquitas e ruínas. Quando, muito nova, acabei o ensino médio, e ainda não podia entrar em uma universidade, tive muito tempo para decidir o que fazer. Eu queria ser arqueóloga, então meu pai achou interessante que eu conhecesse alguns arqueólogos, mas naquela época as pessoas diziam que menina só poderia ser professora, enfermeira ou esposa. E que se eu escolhesse arqueologia provavelmente só tiraria pó de museus. Então eu escolhi a arquitetura!
O THAU do Blog: Onde você estudou arquitetura e como veio para o Brasil?
Doris: Bom, minha formação primária e secundária foi toda na Europa. Com 17 anos, mudei para a Austrália, onde morei com a minha mãe durante os seis anos que fiz o curso integral de Arquitetura. (...) Quando terminei o curso, fui morar novamente com meu pai, em Londres, onde trabalhei em alguns escritórios de arquitetura. Meu mestrado e doutorado foram feita na Universidade da Califórnia, nos EUA. E foi lá que conheci meu marido, brasileiro, que me trouxe até aqui. Foi uma história de amor!
Torre Jin Mao, em Xangai: a maior da China por quase dez anos |
Existe a tradição do concreto armado na arquitetura moderna. Essa tradição ocasionou uma cultura, ou seja, um costume de se construir assim. E começa agora, no Brasil, a cultura de se construir edifícios mais altos, de se viver em áreas mais densas, como na China, por exemplo. Porém, na China, o fator que leva a essa cultura é político e a população não questiona as decisões do governo.
Segundo a psicologia ambiental, o limite dos gabaritos deveria ser cinco. Sabe por quê? Se o prédio tem mais de cinco pavimentos se perde a relação com o indivíduo que está lá embaixo, não dá mais para reconhecer as pessoas. Na verdade, 99% das nossas cidades, e isso eu falo em escala mundial, não têm arquitetura.
O THAU do Blog: Tem algum arquiteto brasileiro que você admira? Por quê?
Doris: Sim, têm vários, mas não me lembro de todos eles. Tem gente nova por aí, mas tem gente que me preocupa muito por sua arrogância. Destaco o trabalho do Lelé, pois ele tem personalidade forte e é crítico de si mesmo. Procurem arquitetos sensíveis, que demonstrem afeto e que produzem projetos que as pessoas amam. Eu chamo isso de arquitetura sensível.
O THAU do Blog: O que você pensa sobre a construção informal e os programas de habitação social do governo?
Doris: Sou absolutamente a favor do investimento que governo faz, porém sou muito crítica. O que podemos observar é que na autoconstrução, a maioria das famílias não constrói sozinha, e acabam por produzir casas 30% maiores do que as dos programas habitacionais e espaços que funcionam melhor. O problema é que falta conhecimento técnico a essas pessoas, e elas constroem cópias de outras construções, sem a reflexão sobre a qualidade. A maioria destas construções tem problemas de ventilação e de privacidade, pois as pessoas tem que passar por vários ambientes até chegar ao seu destino.
O THAU do Blog: Que conselho daria aos estudantes de arquitetura, como nós?
Doris: É difícil ter talento suficiente para resolver o urbanismo e ao mesmo tempo agradar e fazer uma arquitetura funcional. Nem sempre o que a gente faz é uma boa arquitetura. Mas seja sensível, honesto e não arrogante. Produza algo realmente interessante, e que dure. Tenha um processo reflexivo e de debate, de dinâmica no processo de projeto. Analisar o precedente também é importante, e por isso a história também é uma base absolutamente necessária.
Agradecemos à Professora Doris por esta oportunidade de entrevistá-la e pela forma doce e gentil como nos respondeu cada pergunta. Agradecemos também à Comissão dos 20 anos, idealizadora do minicurso e ao Professor Klaus Chaves, que tornou possível o nosso encontro.
Por Jéssica Rossone