sexta-feira, 29 de março de 2013

Fichamento de livro: Restauro, de Viollet-le-Duc


Viollet-le-Duc
Frequentemente ouvimos falar sobre o restauro de um bem arquitetônico, visitamos um palacete ou museu restaurado ou vemos algumas imagens. 

Mas o que está por trás da teoria do restauro? Quais são os teóricos que fizeram história acerca do tema e hoje são estudados pelos restauradores? Será que a visão deles hoje é amplamente aceita ou é considerada ultrapassada?  

Hoje nós vamos ver o fichamento do livro Restauro, de Viollet-le-Duc. A primeira versão em língua portuguesa do verbete “Restauro” de Eugène Emmanuel Viollet Le Duc, feita por Odete Dourado, tem como proposta a afirmação de Viollet Le Duc como um dos maiores teóricos da história da arquitetura europeia, ao lado de Leon Battista Alberti, mas também o reconhecimento de seu pioneirismo no que desrespeito às novas possibilidades da utilização do ferro na Arquitetura Moderna. Além disso, a publicação destaca a plena inserção de Le Duc no âmbito das contradições do século e do movimento racionalista do século XIX.

Viollet-le-Duc, ao pensar no conceito moderno de restauração, estabelece os princípios de intervenção em monumentos históricos e uma metodologia para tal em seu texto chamado Restauro. Para explanar seus conceitos, ele utiliza quase sempre a arquitetura religiosa, descrevendo exemplos de algumas situações que poderiam se apresentar diante do restaurador e procedimentos passíveis de serem aplicados a elas, enfatizando que ao intervir, estando o restaurador diante de duas opções distintas de intervenção, “a adoção absoluta de um dos dois partidos pode oferecer perigos, e que é necessário, ao contrário, não se admitindo nenhum dos dois princípios de uma maneira absoluta, agir em razão das circunstâncias particulares”. Sua racionalidade, lógica e coesão de ideias evidenciam a importância dos levantamentos detalhados do edifício e atuação baseada em circunstâncias particulares a cada projeto. Para ele, princípios absolutos poderiam levar o restaurador a resultados incoerentes.

Palavras-chave:
         História da Arquitetura, Patrimônio Histórico e Cultural, Restauro.

Versão do livro On Restoration
O texto se inicia com uma consideração acerca do conceito de restauração, que para Viollet-le-Duc não significa o ato de conservar, reparar ou refazer a obra, mas restitui-la a “um estado de inteireza que pode jamais ter existido em um dado momento”. Le-Duc viveu na França em uma época em que a restauração se firmava como ciência, e logo ele afirma que tanto a palavra como a coisa são modernas. A partir de então ele desenvolve o texto na busca do significado da palavra restauro na história das civilizações. Ele evidencia que na Ásia, sempre que um templo ou palácio estivesse degradado pela ação do tempo, construía-se outro ao seu lado, enquanto isso, na Roma Antiga, refazia-se os edifícios. Ele deixa sua visão de restauração quando cita que os gregos “longe de restaurar, ou seja, de reproduzir exatamente as formas dos edifícios que tinham sofrido degradações”, imprimiam a marca de sua época nos trabalhos que julgassem necessários.
Mais adiante podemos perceber sua visão positivista quando diz que o tempo em que viveu assumiu, até então, postura singular em relação ao passado, procurando “analisá-lo, compará-lo, classificá-lo e formular sua verdadeira história” seguindo os progressos da humanidade. Para ele, esta necessidade de analisar o passado, deve-se justamente à rapidez dos progressos, e tal trabalho retrospectivo proporcionaria a previsão de problemas futuros, facilitando, por consequência, suas soluções.
O que distingue a sua época é exatamente o estudo menos parcial do passado, provocando o renascimento político, social, filosófico, artístico e literário e, logo, os perscrutadores do passado são obrigados a vencer os preconceitos das pessoas que veem nestas ações a perda de tradição.
Passadas estas constatações, Viollet-le-Duc fala sobre a reação dos arquitetos e o desenvolvimento da arquitetura, quando comparada às outras artes. Segundo ele, por volta do fim do primeiro quarto do século, os estudos literários sobre a Idade Média estavam bastante desenvolvidos, enquanto os arquitetos não tinham sequer superado seus preconceitos aos arcos ogivais das catedrais góticas. As igrejas medievais, devastadas durante a Revolução, estavam abandonadas desde então. Segundo ele, “em todo caso, estas frases vazias, fizeram com que diversos artistas se pusessem a examinar com curiosidade estes restos dos séculos de ignorância e de barbárie com a ajuda do Museu dos Monumentos Franceses, e de algumas coleções. (...) Era necessário esconder-se para desenhar aqueles monumentos construídos pelos godos, como diziam alguns doutos personagens.” O autor então cita o espírito crítico de Vitet, que em 1830 foi nomeado Inspetor Geral dos Monumentos Franceses e, no ano seguinte, endereçou ao Ministro do Interior um relatório sobre as inspeções feitas por ele das províncias do Norte, considerado uma obra prima nesse gênero de estudos. Le-Duc acreditava que se este gênero de trabalho, aplicado aos monumentos medievais, poderia gerar resultados ainda mais úteis. Para ele, Vitet foi o primeiro a se preocupar com o restauro criterioso dos monumentos antigos e a formular ideias práticas sobre o assunto, além de fazer intervir a crítica neste tipo de trabalho.
Le-Duc também cita a obra História da Catedral de Noyon, escrita por Vitet anos mais tarde, em que constata as etapas percorridas pelos estudiosos e pelos artistas ligados ao mesmo estudo: “Com efeito, para conhecer a história de uma arte, não é suficiente determinar os diversos períodos por ela percorridos em um determinado lugar; é necessário também seguir sua trajetória em todos os lugares em que foi produzida, indicar as variedades das formas de que sucessivamente se revestiu e traçar o quadro comparativo de todas estas variantes, levando em consideração não só cada nação, mas cada província de um mesmo país”. Seria necessário citar boa parte de seu texto para demonstrar o quanto progrediu no estudo das artes medievais.
Já em 1835, Vitet havia abandonado a Inspeção Geral dos Monumentos Franceses para presidir a Comissão dos Monumentos Históricos e suas funções agora eram confiadas a P. Merimée e é em torno destes dois estudiosos que se forma o primeiro núcleo de artistas com o intuito de penetrar no conhecimento íntimo destas artes esquecidas. Nesta época, foram executados muitos restauros, muitos edifícios foram não só estudados, mas também preservados da ruína, na França.
O autor evidencia novamente que o programa de um restauro era então algo inteiramente novo. Para ele, os restauros realizados anteriormente não eram outra coisa senão substituições ou composições fantasiosas, mas que tinham a pretensão de reproduzir formas antigas. A Igreja de Saint-Denis foi o local onde se exercitaram os primeiros artistas que se interessaram pelo restauro. Le-Duc diz que durante trinta anos a construção sofreu todas as mutilações possíveis e foi necessário detê-los para retornar ao programa de restauro fixado pela Comissão dos Monumentos Históricos.
Tal programa promove que cada edifício ou parte deste deve ser restaurado no estilo que lhe é próprio, não só como aparência, mas também em sua estrutura. Portanto, é necessário antes de qualquer trabalho de reparação, o conhecimento da época e o caráter de cada parte, segundo ele “compor uma espécie de dossiê apoiado em documentos seguros, seja através de notas escritas, seja de levantamentos gráficos”. Mais a frente, ele diz que os monumentos de certa época e de certa escola podem ser restaurados por artistas de fora da província em que está o edifício e que isso pode levar a questões como quando se trata de restaurar, quer sejam as partes primitivas ou não, deve-se restabelecer a unidade de estilo comprometida, ou então reproduzir o todo com as modificações posteriores? Para ele, a escolha severa de uma das alternativas pode apresentar riscos.  Por isso, o arquiteto encarregado por um projeto de restauro deve ser um construtor hábil e experiente e deve conhecer os processos construtivos adotados nas mais variadas épocas e escolas de arte.
O autor então segue seu texto com várias demonstrações de como se deve prosseguir em diversas ocasiões, fazendo sempre valer a ideia de que princípios absolutos podem conduzir a absurdos, quando falamos de restauração. No caso de se refazer partes de monumentos dos quais não restam vestígios, por necessidades construtivas ou para completar uma obra mutilada, o arquiteto encarregado deve se imbuir do estilo próprio do monumento cujo restauro lhe foi confiado.  A visão positivista do autor se revel novamente quando ele diz que “existe uma regra dominante que é necessário sempre ter presente: não substituir as partes retiradas senão por outras, executadas com materiais melhores, mais duráveis e perfeitos” para que o edifício passe ao futuro com uma duração maior do que a que ele teve até então.
Outra observação é que cada elemento deve ser proporcionado em relação ao monumento para o qual foi composto. Caso a proporção seja alterada, o elemento tornar-se-á disforme. Além disso, deve-se reforçar as partes novas, aperfeiçoando o sistema estrutural para atingir maiores resistências, estudando previamente o comportamento deste sistema. A escolha dos materiais também faz parte dos trabalhos de restauro, e todos material retirado deve ser substituído por um de qualidade superior. Deve-se sempre ter meios de prevenir acidentes, para inspirar confiança aos operários e também prever qualquer consequência durante o processo. 
Para Viollet-Le-Duc os trabalhos de restauro forçaram os arquitetos a somar conhecimentos, a se relacionarem mais com os operários, a instruí-los e formar núcleos. Outra consequência benéfica foi que importantes indústrias ressurgiram, que a execução da obra muraria tornou-se mais cuidadosa e que o emprego de materiais se difundiu. A busca por recursos fez com que métodos regulares como a contabilidade ou a gestão de canteiros tivessem início, nessa época. O hábito de resolver problemas em construções foi introduzido nas comunidades, que até então mal construíam casas simples.
A partir de então o autor faz menção ao processo de centralização administrativa ocorrido na França, fala sobre suas inegáveis vantagens, mas fala também sobre desvantagens, já que as localidades secundárias ficavam excluídas de qualquer progresso artístico. Le-Duc fala sobre os trabalhos de restauro realizados na França sob a direção da Comissão dos Monumentos Históricos e do Serviço dos edifícios ditos diocesanos: “não só salvaram da ruína obras de incontestável valor, como também prestaram um serviço imediato”.  Para ele, estes trabalhos combateram, até certo ponto, os perigos da centralização administrativa no âmbito dos trabalhos públicos.
Ao retornar às dificuldades que se apresentam aos arquitetos restauradores e a indicação de um programa proposto por pessoas de espírito crítico, o autor diz que tais dificuldades não se limitam a fatos materiais uma vez que os edifícios restaurados tem uma destinação, não se pode negligenciar este aspecto de utilidade, para fechar-se inteiramente no papel do restaurador de antigas disposições fora de uso. O edifício não deve ser menos cômodo após a restauração, pelo contrário. O autor deixa claro que o melhor meio de conservação de um edifício é dar-lhe uma destinação, desde que satisfaça plenamente todas as necessidades que esta destinação impõe e sem que seja necessária alguma mudança. “O melhor a fazer é colocar-se no lugar do arquiteto primitivo e supor o que ele faria”. Sobre a colocação de novos elementos, principalmente aqueles que podem aumentar o conforto dos usuários ou os que podem evitar acidentes, Le-Duc diz “não devem ser adotados senão em casos extremos; mas é necessário também convir que eles são muitas vezes impostos por necessidades imperiosas; (...) para evitar mutilações e acidentes, é compreensível”.
A fotografia parece ter assumido um papel importante nos estudos científicos e no restauro dos edifícios antigos. Com os meios comuns da época, como o desenho e a câmera clara, era comum cometer algum esquecimento, descuidar de vestígios pouco evidentes, mas com a câmera fotográfica as imagens são irrefutáveis e se tornam documentos que podem ser consultados sempre. Sobre isso, ele diz que “nos restauros jamais será excessivo o uso da fotografia, pois muito frequentemente se descobre num negativo aquilo que passara despercebido no próprio monumento”
O autor finaliza seu verbete atentando para que no âmbito do restauro, um princípio dominante é aquele que leva em conta cada indício indicativo de uma disposição. “O arquiteto só deve ficar inteiramente satisfeito e colocar os operários na obra quando encontrar a combinação que melhor e mais simplesmente se adeque. (...) Decidir uma disposição a priori, sem tê-la confrontado com todas as informações necessárias, significa cair no hipotético, e nada é mais perigoso que a hipótese”.

Conclusão: 
     Viollet Le-Duc ao negar o ato de conservar, reparar ou refazer, afirma a restituição da obra, ou seja, a reprodução de sua forma original, como o conceito que fundamenta a restauração. Em toda a modernidade do conceito e da prática da restauração em sua época, podemos destacar a visão racionalista e positivista em várias partes de sua fala, principalmente quando aborda o futuro das edificações restauradas.
Para ele, a arquiteto restaurador deve se conscientizar das formas e estilos do objeto a ser restaurado, bem como sua identificação ao longo da história da arte, ter postura crítica e analítica a partir de seu conhecimento, além das técnicas utilizadas para sua construção, sua estrutura, anatomia e temperamento, pois antes de tudo, é necessário que se reviva a arquitetura. O arquiteto deve compreender a obra como se fosse de sua própria concepção. Tendo em mãos os meios condizentes para a reparação do edifício e dominando as técnicas necessárias, o arquiteto poderá iniciar seus trabalhos de restauração. Outra observação importante é que o profissional não deve seguir uma conduta rígida e absoluta no que desrespeito às decisões a serem tomadas diante de dificuldades comuns no processo da restauração. Escolhas severas podem apresentar riscos à obra. Porém, afirma que tais dificuldades não estão limitadas a fatos materiais uma vez que os edifícios restaurados devem ter uma destinação e o melhor meio de conservação de um edifício é exatamente dar-lhe uma destinação.
Os trabalhos de restauro tiveram várias consequências benéficas para toda a comunidade, pois forçaram os arquitetos a somar conhecimentos e a formar núcleos. O hábito de resolver problemas em construções foi introduzido nas comunidades, que até então mal construíam casas simples. A busca por recursos fez com que métodos regulares como a contabilidade ou a gestão de canteiros tivessem início, nessa época. E a invenção da fotografia como a temos hoje parece ter assumido um papel essencial nos estudos científicos e no restauro dos edifícios antigos. 


Referências bibliográficas:
            VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel; DOURADO, Odete (apres. e trad.). Restauro. Salvador: Mestrado em Arquitetura e Urbanismo/UFBA, 1996.

Por Jéssica Rossone

quarta-feira, 27 de março de 2013

Bens Culturais - O caso da Pastelaria Mexicana de Juiz de Fora



Semana passada falamos sobre os bens culturais materiais e imateriais, seus valores e como devemos preservá-los. Juiz de Fora é repleta de bens como esses, hoje iremos analisar um caso emblemático: a pastelaria Mexicana.

Sua história começa na década de 50, quando o senhor José Victor Furtado, hoje falecido, começou a vender pastéis após sair do trabalho na Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, onde trabalhava, em feiras, escolas e nas ruas da cidade de Barbacena. Vendia mais de 100 pasteis por dia em um tabuleiro, sendo 20 de cada sabor; sr.Victor dizia que saia às 13:30 da fábrica e chegava a vender vários tabuleiros, com uma receita criada por ele mesmo. Seu jeito único com sotaque castelhano, um sombreiro e um bigode postiço o renderam o apelido de Mexicano, de onde surgiu o nome da pastelaria. O seu modo de tratar as pessoas chamando de “Artista”, rendendo a ele tal apelido, permanece até hoje entre os funcionários e clientes fixos. 

Com o crescimento dos negócios em Barbacena, sr. Victor largou o emprego e comprou um pequeno trailer, alavancando ainda mais o negócio, chegando a levar o trailer para outras cidades como Cabo Frio e Niterói. 

Sr.Victor explica a excentricidade característica da Mexicana ao dizer que “acabava que eu vendia muito mais pelo jeito com que eu anunciava o pastel.”

Em Juiz de fora, a pastelaria Mexicana existe desde 1976, inicialmente funcionava na Av. Rio Branco, próximo ao Esporte Clube mas o local não era muito favorável então se mudou para próximo à Santa Casa, também na Rio Branco, mas por ser muito diferente, um caminhão colorido em meio à avenida, havia um desconforto, por isso acabou tendo que se mudar de novo, indo para a Avenida Presidente Itamar Franco no cruzamento com a Av. Rio Branco, onde funciona desde 1978. 

A pastelaria é uma "lanchonete rolante”, como sugere o próprio letreiro, funciona em uma instalação feita em um caminhão, que é levado para o local todos os dias e atende o público das 16:30hs até enquanto há material para produzir os pasteis, que não passa de 1:00h. Quando o caminhão chega ao destino, guardas de trânsito param momentaneamente o fluxo das Avenidas Rio Branco e Itamar Franco para que o caminhão entre em sua posição. O local é uma instalação própria adaptada especialmente para o caminhão, há uma elevação com degraus para deixar os clientes na altura do trailer e durante o dia a baia fica vaga.


A localização da pastelaria no centro da cidade, em um cruzamento entre as principais artérias da cidade, influencia muito o seu movimento. No seu entorno há o banco HSBC, um pequeno mercado, padaria, açougue, alguns pontos de comércio e um colégio que funciona como faculdade a noite. O local possui um grande fluxo tanto de veículos quanto de pedestres durante todo o dia até mais a noite. Além disso, existe um ponto de ônibus próximo, aumentando ainda mais a circulação de pessoas.

No local onde se situa o caminhão, existe um espaço para o seu estacionamento. Há um cenário de motivo mexicano que além de manter a temática do caminhão, destaca o local fora do horário de funcionamento e marca sua presença, dando a ideia de que algo diferente acontece ali. O local e a própria pastelaria se destacam do entorno pelas cores de suas pinturas.

O fato de ser um estabelecimento diferente dos tradicionais faz com que as pessoas se interessem em desfrutar algo novo e mais descontraído, além do mais, o pastel ali produzido e vendido possui uma qualidade inerente: seu tamanho é em média duas vezes maior do que os de outras pastelarias. O objetivo da Mexicana é atrair todos os tipos de clientes. O cardápio e o tamanho dos pastéis varia em grande escala. Fora o diferencial do atendimento e do ambiente. “A população de Juiz de Fora já nos adotou e acolheu.” declara uma das donas.

A pastelaria é um dos pontos mais descontraídos da cidade, possui sua própria identidade e se mantém viva e atualizada até os dias de hoje. Atrai diferentes tipos de pessoas e com diversas idades. Foge da forma tradicional de ocupação do comércio das cidades e da intenção da busca exagerada de sofisticação. Supre a necessidade de uma refeição rápida dos juiz-foranos após o trabalho do dia-a-dia.

O cenário faz com que o local além de funcionar como ponto de referência, se destaque no meio de uma avenida movimentada e por isso, mesmo quando passamos de carro, o olhar se direciona para o local. A pintura personalizada de uma mulher mexicana foi modificada após ter se mantida muitos anos com a pintura original, o que trouxe uma certa estranheza por alguns clientes antigos. Segundo um deles, ainda que a pintura nova seja “bonita”, a antiga era característica e já estavam acostumados.

O funcionamento se dá diretamente através da janela lateral do caminhão/lanchonete. Não possui mobiliário para as pessoas sentarem, a não ser pela mureta ao lado do local, o que reforça ainda mais a idéia de fast food, sem permanências prolongadas.



Fora aplicado um questionário com perguntas à respeito das percepções dos clientes. De acordo com o resultado, foi possível perceber que ainda que a maioria dos usuários entrevistados só consome o pastel eventualmente ou raramente, o local tem muita importância, pois mesmo que a pastelaria não tenha sido utilizada, a lanchonete itinerante ainda é, para esses usuários, um marco importante da cidade. A imagem em si é muito marcante e a peculiaridade faz com que esteja presente na memória das pessoas, mas talvez não seja tão icônica isoladamente, já que muitas pessoas associam automaticamente a imagem do local ao pastel e sabe-se que algo só passa a fazer parte de fato de sua memória quando é vivenciado. 

O local em que funciona a pastelaria hoje em dia foi fundamental para que obtivesse sucesso, em detrimento dos demais lugares, em Juiz de Fora, pelos quais passou. Contudo, a combinação dos pastéis, com o atendimento, do local e do caminhão teve uma apropriação muito grande pela população juizforana em geral, de modo que estes fatores isoladamente talvez não se tornassem tão marcantes na memória coletiva local, mas juntos eles ajudam a caracterizar um fato urbano importante para a identificação da população de Juiz de Fora. 

Analisando os dados coletados, a entrevista com uma das proprietárias e as respostas ao questionário, pode-se concluir que há uma inegável importância, apropriação, vivência e memória por parte da população em relação à lanchonete rolante, envolvendo todas as suas peculiaridades: o pastel, o atendimento, o local e o caminhão. Dessa forma, podemos considerá-la tanto um bem material quanto um bem imaterial, sendo o pastel (o “saber fazer” detido somente pela família) o bem imaterial proposto, e o caminhão em sítio um bem material móvel. Tendo a pastelaria um forte caráter dinâmico, não caberia um processo de tombamento, pois, obrigatoriamente, acarretaria a modificação dessa essência. No entanto, reconhecendo seu valor e significado intrínseco à cidade de Juiz de Fora, é possível prever, hipoteticamente, a abertura de um processo de registro tornando a pastelaria Mexicana, o primeiro bem, que ao mesmo tempo é material e imaterial registrado de Juiz de Fora, e, portanto, protegido legalmente.


Agradecimento aos alunos Luiza Leite, Mayara Carvalho e Rodrigo Pontes do 7º período do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.

Por Vitor Wilson.

sábado, 23 de março de 2013

III Seminário Olhar sobre o que é nosso

A 3 ª edição do  Seminário Olhar sobre o que é nosso irá acontecer entre os dias 23 e 25 de abril de 2013 no auditório do Banco do Brasil - Rua Halfeld, 770 - Centro de Juiz de Fora.

As inscrições são gratuitas  e acontecem entre os dias 01 a 12 de abril de 2013, na Divisão de Patrimônio Cultural (DIPAC) à Av. Barão do Rio Branco, 2234 - 3º andar.

Entre os temas discutidos no seminário estão Intervenções em núcleos históricos, arquitetura/arte tumular e vitrais. 

Veja abaixo a programação completa:


Por Jéssica Rossone






quarta-feira, 20 de março de 2013

Bens Culturais Materiais e Imateriais

Centro Cultural Bernardo Mascarenhas
"Outro marco de Juiz de Fora foi a fábrica de tecidos Bernardo Mascarenhas. Ainda ouço o apito dessa fábrica, todos os dias, pontualmente às 11 horas da manhã. Depois de desativada a fábrica, os prédios foram vendidos para a Prefeitura. O principal, de grande valor arquitetônico, foi tombado pelo Patrimônio Histórico e transformado no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. A parte de cima, onde funcionavam os teares da fábrica, hoje abriga o salão nobre, onde se realizam grandes exposições. Ao lado, um auditório para palestras. Em baixo, ficam a biblioteca, três salas menores de exposição e a sala da diretoria".

O trecho transcrito diz respeito às lembranças de D. Niva sobre uma das várias regiões de Juiz de Fora que ela descreve em capítulo específico sobre a cidade em seu livro Lembranças que se atropelam. Entre essas lembranças, podemos perceber menção às categorias de bens culturais materiais e imateriais.

Em seu sentido amplo, um bem cultural compreende todo testemunho do homem e seu meio, apreciado em si mesmo, sem estabelecer limitações derivadas de sua propriedade, uso, antiguidade ou valor econômico.

A soma dos bens culturais de um povo torna-se o seu Patrimônio Cultural. Os Patrimônios Culturais são portadores de valores que podem ser legados a gerações futuras. Eles guardam informações, significados, mensagens, registros da história humana - refletem ideias, crenças, costumes, gosto estético, conhecimento tecnológico, condições sociais, econômicas e políticas de um grupo em determinada época. É o que confere às pessoas identidade e orientação, pressupostos básicos para que se reconheça como comunidade, inspirando valores ligados à pátria, à ética e à solidariedade e estimulando o exercício da cidadania, através de um profundo senso de lugar e de continuidade histórica. Seu valor reside em sua capacidade de estimular a memória das pessoas historicamente vinculadas à comunidade e seu sentimento de pertencimento, contribuindo para garantir sua identidade cultural e melhorar sua qualidade de vida.

A Torre Eiffel é um bem cultural material
Os bens materiais é tudo aquilo que é produzido pelo homem e que podemos palpar. Para se preservar esse tipo de bem é preciso realizar o "Tombamento" instaurado pelo Decreto-Lei 25 de 1937. Como muitos imaginam, não ocorre a perda da propriedade do bem por parte do seu proprietário, muito menos estão “congelados”. Podem sofrer intervenções desde que o projeto esteja devidamente de acordo com as diretrizes de preservação do bem. Tal projeto deve ser apresentado ao Conselho de Patrimônio ou ao órgão da Prefeitura, do Estado ou da Federação para ser aprovado antes que se inicie a obra propriamente dita.

Os bens imateriais compreendem toda a produção cultural de um povo, desde sua expressão musical, até sua memória oral, passando por elementos caracterizadores de sua civilização. Podem ser:

- Saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades.
- Celebrações: rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social.
- Formas de expressão: manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas.
- Lugares: mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.

O modo de fazer renda irlandesa em Divina Pastora (SE) é um bem imaterial
Diferente dos bens materiais, o processo de proteção legal dos bens imateriais é através de um registro que foi instituído pelo Decreto no. 3551 de 2000. Por se tratar de manifestações populares, os bens imateriais são extremamente dinâmicos e podem ter uma ou outra características alterada com o tempo. Qualquer cidadão ou entidade pode pedir a abertura de processo de registro de um bem cultural, através de solicitação escrita encaminhada ao Conselho de Patrimônio Municipal, Estadual ou Federal ou aos setores de cultura nesses mesmos níveis.

Para D. Niva, a lembrança do apito se tornou um bem imaterial, pois a conecta com o seu entendimento de onde mora. Somando-se a isso, ela identifica o valor dos edifícios do complexo Bernardo Mascarenhas como detentores de valor material.

Ao contrário da visão que alguns têm de Patrimônio, referindo-se à objetos de museus como coisas velhas e estagnadas, o contato com o Patrimônio Cultural deve ser dinâmico e transformador, pois esses registros culturais nos propiciam um momento de reflexão e crítica que ajuda a nos localizar no grupo cultural a que pertencemos e a conhecer outras expressões culturais, cujas semelhanças complementam e cujos contrastes dão forma à nossa cultura.

Por que preservar? A principal razão é a melhoria da qualidade de vida da comunidade, que implica em seu bem estar material e espiritual e na garantia do exercício da memória e da cidadania. A preservação garante a continuidade das manifestações culturais.

Devemos sempre lembrar que a comunidade é a verdadeira responsável e guardiã de seus valores culturais. Não se pode pensar em proteção de bens culturais, senão no interesse da própria comunidade, à qual compete decidir sobre sua destinação no exercício pleno de sua autonomia e cidadania. São diversas as formas de proteção do patrimônio cultural, desde o inventário e cadastro até o tombamento, passando pelo estabelecimento de normas urbanísticas adequadas, consolidadas nos planos diretores e leis municipais de uso do solo e, até, por uma política tributária incentivadora da preservação da memória.


Por Vitor Wilson

quarta-feira, 13 de março de 2013

Igreja e Convento de São Francisco - Salvador


Relatos e pesquisa de uma viagem a Salvador
Por Vitor Wilon


A libertação espiritual trazida pelo Barroco elevou a tradução transcendental dos arquitetos e artistas a partir do século XVI. Durante 150 anos o Barroco se tornou um modelo de vida que acabou por impregnar todas as células da sociedade, desde a música até os penteados de cabelo. A escultura e a pintura se integravam sem transição à arquitetura. Era uma época de esplendor. As Igrejas desse tempo eram a representação máxima dessa vontade.

A Igreja de São Francisco em Salvador - Bahia, é um dos melhores modelos da primeira época do estilo barroco brasileiro. Situada diante do Largo do Cruzeiro, que se articula com o Terreiro de Jesus, é austera no exterior mas decorada com luxo no interior. Foi tombada pelo Iphan, classificada como uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e faz parte do Centro Histórico de Salvador, que hoje é Patrimônio da Humanidade. Em 1686 foi lançada a primeira pedra do atual Convento, enquanto que somente em 1708 houve o lançamento da primeira pedra da Igreja. A construção iniciada em 1713, foi inaugurada 10 anos mais tarde. No entanto, a decoração interna foi finalizada no ano de 1750.

Só em 1805 as torres foram cobertas com azulejos de cor branca nacarada.

Totalmente revestida em talha dourada, calcula-se que tenha sido utilizado 1 tonelada de ouro no interior. Na sua decoração, aparecem numa profusão exuberante, as formas arabescas, cuja unidade estilística é talvez interrompida somente pelo traçado retilíneo do teto.

Possui três naves, sendo que as laterais são baixas, estreitas e cobertas por uma galeria, e funcionem mais como um deambulatório entre as capelas secundárias. Além da capela-mor, dedicada a São Francisco de Assis a igreja possui oito capelas secundárias, duas delas nos braços do transepto.

As três capelas laterais são dedicadas a Sant'Ana, a Santa Luzia e a Santa Efigênia.

Os painéis de azulejos que revestem as paredes do fundo representam cenas da vida de São Francisco de Assis. As duas pias de pedra foram oferecidas por D. João V. As grades de Jacarandá que fecham as capelinhas laterais são obras do irmão leigo Frei Luís de Jesus. Do lado direito, as capelas são dedicadas a São Benedito, a São Pedro de Alcântara (cuja imagem é obra prima do escultor baiano Manuel Inácio da Costa, executada em 1790) e a São José.

A Capela Mor possui o pavimento em pedra lavrada à maneira de alcatifa, que veio de Portugal em 1738. Os azulejos, com cenas da vida de São Francisco, foram executados em Lisboa por Bartolomeu Antunes em 1737. O célebre quadro de Murilo, que representa o Crucificado abraçando São Francisco, inspirou ao artista baiano Pedro Ferreira a escultura que, desde 1930, ocupa o trono do altar mor.


As pinturas que, em formosas molduras ornam o teto da Igreja são de destro e apurado pincel, segundo informador coevo. O arco cruzeiro ostenta no cimo o escudo franciscano (os braços de Cristo e São Francisco cruzados), bem como as armas de Portugal. Os púlpitos encarnam toda a graça e esplendor do barroco.

Armário em jacarandá.
No altar de Nossa Senhora da Conceição, que faz "pendant" com a de Santo Antônio, encontra-se uma bela imagem atribuída ao citado M. I. da Costa. Segue-se o imponente Altar de Nossa Senhora da Glória. No mesmo altar se venera Nossa Senhora da Piedade, do artista baiano Antônio de Sousa Paranhos, colocada pelo ano de 1843.

O coro dos Religiosos é sustentado por duas colunas de pedra. Os caderais e a estante coral são finíssimo trabalho em jacarandá de Frei Luís de Jesus. Existem aí 8 telas a óleo, não assinadas. Ao centro da artística grade coral, eleva-se um retábulo com a imagem do Crucificado. E se falando em obras de jacarandá, o coro e a sacristia são obras primas deste gênero. Todas de autoria também do franciscano Frei Luís, cognominado o "Torneiro", que realizou na primeira metade do século XVIII.

Nossa Senhora da Conceição no braço do transepto.

Sacristia.
A sacristia possui teto dividido em 48 quadros pintados, com emblema da Ordem no centro. Entre os dois arcazes de jacarandá ergue-se um magnifico altar barroco, com um Cristo em marfim. Os arcazes e os dois armários de gavetinhas são obras do Frei Luís de Jesus. O lavabo de pedra, com a  imagem de Santo Antônio, é de 1710. Nas paredes, os quadros representam cenas da vida de São Francisco. Os azulejos inspiram-se na caça e na pesca.
O rico lampadário de prata que
pende do teto data de 1758.

O átrio entre a sacristia e a igreja apresenta azulejos com cenas bíblicas e, no teto, pintura perspectivada, com a figura de Cristo Ressuscitado. A escada que conduz ao claustro superior tem corrimão de pedra, com mascarões esculpidos nos extremos Superiores.

A portaria foi edificada entre 1749-1755. Os azulejos, que representam cenas da vida contemplativa de anacoretas, foram assentes em 1782. Os oito painéis de pintura sobre tábua representam vultos da ordem franciscana. A pintura do teto, notável pelo jogo de perspectiva, é uma apoteose à Virgem. Os olhares de todas as personagens parecem acompanhar o movimento do observador. Um pequeno altar de talha barroca é dedicado a São Francisco.

A obra do claustro foi iniciada em 1729 e terminada em 1794. O modelo quadrado se inspira nos claustros portugueses do século XVI, possui um sub-solo e dois pavimentos sobre o nível da rua. Os azulejos vieram de Portugal entre 1743-1746. Persistem as dúvidas quanto a fábrica de origem, quanto ao nome do pintor e quanto ao doador (é tradição que tenha sido oferta de D. João V). Os 37 painéis de azulejos do claustro térreo são inspirados nas gravuras do pintor flamengo Oto van Veen, publicadas em 1608 e reproduzidas no livro "Teatro Moral de la Vida Humana", de que o convento possui um antigo exemplar. As epígrafes latinas de cada painel são constituídas por inscrições moralistas das sentenças de Horácio. No Claustro superior os azulejos apresentam cenas de pesca, caça, paisagens, quadros simbólicos dos cinco sentidos, dos meses e dos continentes.

Claustro.
A sala do capítulo é atualmente a sala de visitas do Convento. O primoroso altar é dedicado a Nossa Senhora da Saúde e no seu frontal estão incrustadas relíquias de Santos. As pinturas das paredes ricamente emolduradas, têm como motivos principais várias invocações da Ladainha da Virgem. O forro apresenta pinturas de virgens mártires dos primeiros séculos da Igreja.

Noutros tempos, o complexo recebeu algumas tentativas de restauro, mas com trabalho não especializado, acabou por perder a autenticidade e até mesmo a originalidade de diversas constituintes. Durante as obras de revitalização do centro histórico de Salvador, há poucos anos, a igreja, o convento e seu largo fronteiro também receberam atenção para conservação. Em 2005 os azulejos do claustro foram cobertos por gaze para evitar que a superfície pintada se desprendesse, o que já se verifica em muitos pontos. Em 2006 foi realizado um projeto de pesquisa empregando-se técnicas de fotografia e restauro digital a fim de preservar pelo menos a iconografia dos azulejos antes que ela seja perdida inteiramente. Foi solicitado um restauro emergencial ao Iphan, mas em vista do alto custo da obra, infelizmente até hoje nada foi realizado.




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Por Vitor Wilson

terça-feira, 12 de março de 2013

quinta-feira, 7 de março de 2013

Cine-Theatro Central

Fachada Atual
O progresso chegava rápido à cidade de Juiz de Fora na década de 20. A "Manchester mineira" era próspera e moderna, cada vez mais inusitada para uma Minas agrícola e Barroca. Enquanto se tornava polo industrial, via surgir seus poetas, pintores, artistas e se tornava uma das cidades mais importantes do país. A população que havia mergulhado na Belle Époque, reclamava por uma casa de espetáculos condizente com as suas expectativas culturais.


Construção
Não foi o primeiro Teatro da cidade mas com certeza sua construção em 1927 foi a mais arrojada. O arquiteto responsável era Raphael Arcuri, da companhia Pantaleone Arcuri, responsável por tantos projetos importantes e por mudar a face arquitetônica de Juiz de Fora. Sua obra erguida na principal rua da cidade - a Rua Halfeld - materializava o sonho do desenvolvimento mineiro. O amplo vão sem pilastras, sustentado por uma estrutura metálica vinda da Inglaterra, atemorizou os menos informados da época. A arquitetura eclética se mantinha forte ainda que trouxesse o art déco fundido à sua ornamentação clássica. O pintor italiano Ângelo Bigi criou os afrescos com cenas de  personagens em jardins românticos e ilustrações de grandes nomes da música, como Ludwig Van Beethoven.


Um ano e quatro meses mais tarde, pouco antes da Crise de 1929, o Central abria suas portas para os dois mil expectadores com o filme mudo "Esposa alheia". Era um dos maiores e mais belos teatros do país, além de uma das poucas casas do Brasil com infra-estrutura para montagens tão diversas quanto teatro, ópera, balé e concertos.

Cine-Teatro Central em seus primórdios
A derrocada do cinema e do teatro agravou o processo de abandono e deterioração do Central nos anos 80. Então, teve inicio um movimento de revalorização do espaço com o tombamento do prédio como bem do patrimônio cultural do município, em 1983, atribuindo-lhe valor histórico e artístico.

Interior
A administração municipal no entanto, não possuía recursos suficientes para salvar o edifício. A solução foi negociar com a Companhia Franco-Brasileira, então proprietária do cine-teatro. Houve uma mobilização de lideranças locais no Governo Federal e a Universidade Federal de Juiz de Fora adquiriu o imóvel através de recursos do Ministério da Educação, em 1994. Neste mesmo ano, o Central foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O Cine-Theatro Central fechou suas portas em 1996 para restauração. Com incentivos fiscais, grandes empresas apoiaram financeiramente o projeto, orçado em 2 milhões de reais. Todo o trabalho realizado pelos restauradores e seus auxiliares - estudantes de Artes e Arquitetura da UFJF - foi acompanhado atentamente pelo Iphan. A restauração gerou uma documentação minuciosa de cada centímetro quadrado, para o caso de uma futura intervenção.

Restauração das pinturas
Lustres de Cristal no Centro da platéia
As ações incluíram obras de recuperação do prédio, com troca de telhado, reforma de instalações elétricas, de poltronas e camarotes, instalação de equipamentos e mecânica cênica, que colocaram a engrenagem do velho teatro em funcionamento outra vez. 

Sete décadas depois, o Central estava pronto para o seu renascimento. Em 14 de novembro de 1996, o cine-teatro foi oficialmente reinaugurado. Ali estava de volta o grande templo da cultura de Juiz de Fora, um dos maiores patrimônios arquitetônicos da nossa cidade.


Fotos: Arquivo pessoal e Cine-Theatro Central/Alexandre Dornelas

Essa foi uma pesquisa de visita técnica ao Cine-Theatro Central idealizada pela professora Mônica Olender na disciplina de Técnicas Retrospectivas.

Por Vitor Wilson

terça-feira, 5 de março de 2013

Resenha: A Imagem da cidade, Kevin Lynch




Kevin Lynch foi arquiteto urbanista e teórico americano, muito conhecido por seu livro “A Imagem da Cidade”, publicado em 1960. Este livro, resultado de longos anos de pesquisa e análises, trata da fisionomia das cidades e da possibilidade de modificá-las. Além disso, por meio do estudo da imagem mental que os habitantes fazem de sua cidade, o livro aborda a qualidade visual da paisagem urbana.

Para entender o papel desempenhado pelas imagens ambientais, Lynch examinou detalhadamente três cidades americanas, Boston, Jersey City e Los Angeles, e conversou com seus habitantes, com “a convicção de que a análise da forma existente e de seus efeitos sobre o cidadão é uma das pedras angulares do design das cidades” (LYNCH, 1960). O trabalho foi dividido em duas etapas: um reconhecimento de campo das áreas estudadas e longas entrevistas feitas com uma pequena amostra dos moradores de cada cidade.

As análises feitas por ele apontam para uma substancial variação do modo como as diferentes pessoas organizam sua cidade, de quais elementos mais dependem ou em quais formas as qualidades são mais compatíveis com elas. A paisagem urbana é “algo a ser visto e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos que nos dê prazer. Olhar para as cidades pode dar um prazer especial, por mais comum que possa ser o panorama. Como obra arquitetônica, a cidade é uma construção no espaço, mas uma construção de grande escala; uma coisa só percebida no decorrer de longos períodos de tempo.” (LYNCH,1960).

O texto fala da importância da imagem que cada um faz de sua cidade e de sua singularidade. Cada cidadão tem vastas associações com alguma parte de sua cidade, e a imagem de cada um está impregnada de lembranças e significados. Além disso, as pessoas e suas atividades são tão importantes quanto as partes físicas permanentes de uma cidade. Sendo assim, se é bem organizada visualmente, ela também pode ter um forte significado expressivo.

A flexibilidade dos espaços e seus significados particulares são evidenciados por Lynch, sendo a cidade estável por algum tempo, porém sempre se modificando nos detalhes. Logo, não há um controle total sobre seu crescimento e sua forma nem um resultado final, mas apenas uma contínua sucessão de fases.

O primeiro capítulo do livro, que estrutura conceitos de análise urbana, se divide nos tópicos Legibilidade, Construção da Imagem, Estrutura e Identidade e Imaginabilidade. A legibilidade é um conceito de importância particular quando consideramos os ambientes na escala urbana de dimensão, tempo e complexidade. A sociedade atual conta com os artifícios tecnológicos. Temos mapas, números de ruas, sinais de trânsito, mas “caso alguém sofra o contratempo da desorientação, o sentimento de angústia irá mostrar com que intensidade a orientação é importante para a nosso equilíbrio e bem-estar.” (LYNCH, 1960).

Uma imagem clara da paisagem urbana constitui uma base preciosa para o desenvolvimento individual. A necessidade de reconhecer e padronizar os  ambientes tem raízes profundamente arraigadas no passado e é de enorme importância prática e emocional para o indivíduo. A legibilidade oferece a sensação de segurança emocional, assim como a identidade. Uma boa imagem requer a identificação de um objeto, o que implica seu reconhecimento enquanto entidade separável. A isso se dá o nome de identidade, no sentido de individualidade ou unicidade.

A imagem também deve incluir a relação espacial ou paradigmática do objeto com observador e os outros objetos e esse objeto deve ter algum significado para o observador. Segundo Kevin Lynch, “é preferível que a imagem seja aberta e adaptável à mudança, permitindo que o indivíduo continue a investigar e organizar a realidade. Deve haver espaços em branco para que ele possa ampliar o desenho”.

Sobre a construção da imagem, as imagens de grupo, consensuais a um número significativo de observadores, é que interessam aos planejadores urbanos, assim como a imaginabilidade, a característica, num dado objeto físico, que confere alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado. Esses objetos parecem repercutir, de modo bastante curioso, os tipos formais de elementos imagísticos nos quais Lynch divide a imagem da cidade: vias, marcos, limites, pontos nodais e bairros. Existem outras influências atuantes sobre a imaginabilidade como o significado social de uma área, sua função, sua história ou mesmo nome. No design atual, a forma deve ser utilizada para reforçar o significado, e não nega-lo. 

autor também fala sobre cada um dos elementos que compõem a cidade. As vias, canais de circulação ao longo dos quais o observador se locomove de modo habitual, ocasional ou potencial, para muitos observadores constituem os elementos predominantes. Alamedas, linhas de trânsito, canais ou ferrovias, algumas delas podem tornar-se características importantes. Para Lynch, o trajeto habitual é umas das influências mais poderosas, de tal modo que as principais vias de acesso são todas imagens de importância vital. A constituição de uma via, as atividades realizadas ao longo de seu percurso ou as fachadas dos edifícios pode torná-la importante aos olhos dos observadores. Nesse sentido, as vias com grau satisfatório de continuidade foram escolhidas como as mais seguras e, quando a largura da via se altera, as pessoas tem dificuldade para perceber uma continuação da mesma via. As ruas podem não ser apenas identificáveis e contínuas, mas ter, também, qualidade direcional. 

Segundo Lynch, um método para alcançar esta qualidade é por meio de um gradiente, de uma mudança regular em alguma qualidade que seja cumulativa numa direção, por exemplo, as vias com origem e destino claros e bem conhecidos têm identidades mais fortes, ajudam a unir a cidade e dão ao observador senso de direção. Lynch ainda cita as vias férreas, o metrô e as ruas de mão única como exemplos de dissociação da estrutura do todo. Já as ruas transversais funcionam como dispositivos de medição.

Os limites são elementos lineares que representam fronteiras entre duas fases, quebras de continuidade lineares. São exemplos de limites: praias, margens de rios, lagos, cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e paredes. Parecem mais fortes os limites que não só predominam visualmente, mas têm uma forma contínua e não podem ser atravessados, porém muitos limites são uma costura, muito mais que barreiras que isolam, muitas vezes as próprias vias podem constituir um limite. 

Já os bairros são regiões médias ou grandes de uma cidade de extensão bidimensional. Podem ser reconhecidos internamente, às vezes usados como referências externas. As características físicas que determinam os bairros são continuidades temáticas que podem consistir numa infinitiva variedade de componentes: textura, espaço, forma, detalhe, símbolo, tipo de construção, usos, atividades, habitantes, estados de conservação, topografia. Os nomes dos bairros também ajudam a conferir-lhes identidade, mesmo quando a unidade temática não estabelece um contraste eloquente com outras partes da cidade.

Os pontos nodais são lugares estratégicos de uma cidade através dos quais o observador pode entrar, são focos intensivos para os quais ou a partir dos quais se locomove. Podem ser junções, concentrações, locais de interrupção, um cruzamento ou uma convergência de vias, momentos de passagem de uma estrutura a outra. Mesmo quando sua forma física é vaga e indefinida, podem ser de extrema importância para a legibilidade da paisagem urbana.

Os marcos são outro tipo de referência, mas nesse caso o observador não entra neles: são externos. Em geral, o marco é um objeto físico definido de maneira a evidenciar sua singularidade. O contraste entre figura e plano de fundo, a partir da sua localização espacial, parece ser o fator principal para que um elemento seja tomado como marco. A atividade associada a um elemento também pode transformá-lo num marco, ou quando uma história, um sinal ou um significado vem ligar-se a um objeto, aumenta o seu valor enquanto marco. Lynch divide os marcos em distantes e locais, estes últimos mais citados pelos observadores que os primeiros. 

Lynch trata das inter-relações entre os elementos listados anteriormente. Segundo a pesquisa, os bairros são estruturados com pontos nodais, definidos por limites, atravessados por vias e salpicados por marcos. A sobreposição e interpenetração dos elementos ocorre regularmente. Se esta análise começa pela diferenciação dos dados em categorias, deve terminar por sua reintegração à imagem total. Os elementos subdivididos em vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos são apenas a matéria-prima da imagem ambiental na escala da cidade e podem funcionar como reforços uns para os outros, “mas podem também entrar em choque e destruir-se” (LYNCH, 1960).

De fato, todos os elementos atuam em conjunto num determinado momento e a maioria dos observadores parece agrupar seus elementos em organizações chamadas complexos. Os complexos são percebidos como um todo cujas partes são interdependentes e relativamente estáveis em relação umas às outras.

Em outro capítulo chamado Temas comuns, Lynch fala sobre como as pessoas se adaptam ao seu entorno e extraem estrutura e material ao seu alcance e como os tipos de elementos usados na imagem da cidade e os atributos que se tornam fortes ou fracos parecem comparáveis, ainda que a proporção desses tipos possa variar.

Nos capítulos A forma da cidade e Qualidades da forma, Kevin Lynch reforça os resultados de sua pesquisa e faz uma listagem de conceitos a serem tomados antecipadamente ao planejamento urbano. A partir de então a inter-relação entre os elementos se torna presente em todo o texto, tornando-se uma ferramenta para a posterior conclusão do texto, porém não dos estudos e análises. Lynch classifica como qualidades da forma:

1. Singularidade ou clareza da figura-plano de fundo: nitidez dos limites; fechamento; contraste de superfície, forma, intensidade; complexidade, tamanho, uso, localização espacial.

2. Simplicidade da forma visível em sentido geométrico, limitação de partes, como a clareza de um sistema de quadrícula, de um retângulo, de uma cúpula.

3. Continuidade de limites ou superfícies; repetição de intervalos rítmicos, similaridade.

4. Predomínio de uma parte sobre outras em decorrência do tamanho, da intensidade ou do interesse, resultando da leitura do todo como uma característica principal associada a um conjunto.

5. Clareza de junção Alta visibilidade das ligações e costuras; relação e inter-relações claras.

6. Diferenciação direcional Assimetrias, gradientes e referências radiais que diferencial uma extremidade da outra.

7. Alcance visual Qualidades que aumentam o âmbito e a penetração da visão, tanto concreta quanto simbolicamente. Incluem as transparências, sobreposições, vistas e panoramas que aumentam a profundidade de visão, elementos de articulação que explicam visualmente um espaço, concavidade.

8. Consciência do movimento As qualidades que, através dos seus sentidos visuais e cinestésicos, tornam sensível ao observador o seu próprio movimento real ou potencial. São estes os artifícios que melhoram a clareza de ladeiras, curvas e interpenetrações, oferecem a experiência de paralaxe e perspectiva de movimento, mantém a consciência de direção ou mudança de direção, ou tornam visível o intervalo entre as distâncias.

9. Séries temporais São percebidas com o passar do tempo, incluindo tanto as ligações simples, item por item, nas quais um elemento é simplesmente ligado à outros dois, o anterior e o posterior, como as séries verdadeiramente estruturadas no tempo e, portanto, de natureza melódica, como se os marcos aumentassem sua intensidade formal até atingirem um clímax.

10. Nomes e significados Características não-físicas que podem aumentar a imaginabilidade de um elemento. Os nomes, por exemplo, são importantes para a cristalização da identidade. Às vezes, dão indicações de lugares. O autor também disponibiliza um capítulo do livro contendo somente informações sobre o método utilizado nas pesquisas. Mapas e imagens, desenhos conceituais e legendas específicas, além do roteiro da entrevista feita com os habitantes das cidades analisadas.

O Thau do Blog indica o livro A imagem da cidade, de Kevin Lynch.

Referências:

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

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