segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Entrevista: Professor Fabio Lima

Entrevista realizada com o Professor Fabio José Lima para O THAU DO BLOG.
Fábio José Lima é Professor no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora desde 1999. Atualmente reside em Veneza (Itália) onde realiza o seu estágio pós-doutoral na IUAV Università di Venezia. Convidado pela equipe de O THAU DO BLOG para responder a uma entrevista sobre a sua formação e sobre as suas atividades como professor e pesquisador, Fábio Lima nos ofereceu respostas bem detalhadas e precisas que nos dão a oportunidade de perceber a sua grande contribuição para as pesquisas sobre Urbanismo no Estado de Minas Gerais e no Brasil, como também nos traz algumas reflexões a respeito da formação do arquiteto e urbanista nos dias de hoje e sobre o acelerado processo de expansão da Cidade de Juiz de Fora.
Deixamos aqui o registro do nosso agradecimento ao Professor Fábio Lima pela maneira gentil, atenciosa e muito criteriosa com que atendeu ao nosso convite para esta entrevista que se segue abaixo. Cabe mencionar que toda a pesquisa e produção desta entrevista foram feitas pela aluna Daniela Pereira Almeida, da Equipe Editorial de O THAU DO BLOG.
                                                                                                  Antônio Agenor Barbosa
                                                                                       Coordenador de O THAU DO BLOG
Equipe Editorial de O THAU DO BLOG



O THAU DO BLOG: Você é nascido em Belo Horizonte, cursou arquitetura na UFMG, com mestrado na UFBA, e doutorado na USP. O que te trouxe a Juiz de Fora?
Fábio Lima: Isso mesmo. Iniciei o curso noturno de arquitetura na Universidade Gama Filho em 1983. Estava morando no Rio de Janeiro por uma carreira temporária no Exército, como oficial da Brigada Pára-quedista. Em 1986, por meio de uma transferência, retornei para Belo Horizonte para ingressar na Escola de Arquitetura da UFMG. Ali já havia passado pelo curso de Matemática em 1981, tendo iniciado também Desenho Industrial na FUMA, hoje UEMG, e Engenharia Civil na SUAM, no Rio. Estes cursos ficaram incompletos. O retorno para Belo Horizonte foi muito importante, com a experiência de ter vivido no Rio de Janeiro que pude conhecer no dia-a-dia, além da visão do alto pelos inúmeros saltos de pára-quedas. Em 1989 conclui o curso e no ano seguinte resolvi continuar a estudar, tendo me transferido para Salvador na Faculdade de Arquitetura da UFBA. Cursei ali, a partir de 1990 o Mestrado na área de Conservação e Restauro finalizado em 1994 com a defesa da Dissertação intitulada "Bello Horizonte: Um passo de modernidade". Na continuação fui convidado a participar da pesquisa "Levantamento Documental sobre Urbanismo e Planejamento Urbano no Brasil" coordenada pela Profª Maria Cristina da Silva Leme da FAU/USP, na rede Urbanismo no Brasil, no "Subprojeto Belo Horizonte" coordenado pelo Prof. Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes da FAU/FBA. 
Em seguida, como continuação deste trabalho de apoio técnico na pesquisa, fui cursar o Doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, tendo iniciado os estudos em 1998 e concluído em 2003 com a defesa da tese "Por cidade moderna: Ideários de urbanismo em jogo no concurso para Monlevade e nos projetos destacados da trajetória dos técnicos concorrentes (1931-1943)". Neste período, como já tinha uma grande vontade de continuar a carreira acadêmica - iniciada como professor temporário na Escola de Arquitetura da UFMG, ainda em 1996 - em uma universidade pública, prestei o concurso para o Departamento de Arquitetura da UFJF, tendo sido aprovado, com a transferência definitiva de Belo Horizonte em 1999. Então, posso dizer que o que me trouxe a Juiz de Fora foi a continuação da carreira acadêmica, a Universidade propriamente dita.
Galpão do curso de Arquitetura e Urbanismo - UFJF


OTDB: Há muita diferença entre a grade curricular da Escola de Arquitetura da UFMG e da UFJF. Atualmente nosso curso está passando por uma reforma curricular, o que você acha que precisa melhorar?
FL: Bom, primeiro é preciso informar que na UFMG é Escola de Arquitetura. Este nome foi desde o início do curso fundado ainda em 1930, na Escola de Belas Artes, logo transformada em Escola de Arquitetura, vinculada à Prefeitura Municipal. Não dá para falar em uma grade curricular da escola tendo em vista que foram inúmeras versões. Quando eu estava lá no período de 1986 a 1989 tinham semelhanças e diferenças mas, por exemplo, a ênfase no projeto era a mesma.
Formavam-se profissionais muito voltados para trabalhar com projeto de arquitetura e pronto. Esse é a meu ver um ponto a ser discutido tendo em vista que o exercício da profissão não se revela apenas e primordialmente nos projetos. Mesmo assim, em Belo Horizonte tínhamos detalhes arquitetônicos, fotografia, planejamento urbano e regional, paisagismo, muita matemática e física. Não estudávamos técnicas de conservação e restauro, muito menos teorias do restauro.
Sobre a reforma curricular do curso de arquitetura da UFJF eu já participei da comissão em um período, penso que de 2004 a 2006, onde muito foi discutido, muito foi adequado à visão mais atual por parte do MEC. O que tem que ser feito é dar um ponto final aproveitando o que já foi pensado e colocar em prática, considerando uma flexibilização maior, a possibilidade de o próprio aluno definir o seu rumo acadêmico, principalmente nos dois últimos anos do curso.
Enfim, já tem muito tempo que a discussão está na mesa. A ênfase no projeto é algo que precisa ser revista, temos que buscar referências distintas também, é o que tenho buscado estudando outras escolas numa perspectiva histórica. Especificamente sobre o nosso curso da UFJF fica a idéia de que é hora de aplicar o que foi discutido dentro do atual contexto em que nos encontramos. Neste sentido, vale dizer que o curso dispõe de uma infraestrutura muito mais adequada e aperfeiçoada e professores mais capacitados.

OTDB: Sobre o nosso curso de arquitetura e urbanismo da UFJF o que você acha que ainda nos falta fazer e/ou investir para que possamos nos equiparar em relação à formação do arquiteto e urbanista em alguns das melhores escolas estrangeiras e também brasileiras?
FL: A efemeridade de tudo nos dias de hoje, nas dinâmicas que vivenciamos, impõe a necessidade de uma freqüência de atualizações mais rápida. E estas atualizações incidem também sobre o espaço físico, para além do virtual e conceitual. No período de 2004 a 2007, como Coordenador do curso, uma demanda mais nova se colocava a cada dia. Então, mesmo que consigamos alcançar uma determinada condição de infraestrutura, o mais importante é que esta deve ser atualizada sempre.
É o que penso sobre o curso, no tocante ao espaço físico e também no que se refere ao campo conceitual. A agenda de demandas para o ensino, a pesquisa e a extensão têm estas características. E para esta agenda temos que ter consciência, no presente e com clareza, de quais são os problemas a serem enfrentados pelos arquitetos e urbanistas - que não são apenas de arquitetos e urbanistas. O olhar tem que ser multidisciplinar e até transdisciplinar. Com isso, temos que entender também em quais campos de trabalho estes profissionais se inserem na atualidade. As necessidades em termos de equipamentos, logística de modo geral e pessoal decorrem disso. Em Minas Gerais temos diversos cursos com programas para a formação de arquitetos e urbanistas, entre escolas particulares e públicas. As unidades federais, em particular, estão em Belo Horizonte, Ouro Preto, Viçosa, Uberlândia e São João Del Rei, cada qual com suas especificidades locais e regionais. Pelo que tenho acompanhado, por conhecer muitos dos professores que estão à frente destes cursos e também por ter visitado quase todas (apenas não estive no curso de arquitetura em Ouro Preto), seja em concursos públicos seja em eventos na área, estamos bem equiparados.
A minha experiência na Câmara de Engenharias e Arquitetura da FAPEMIG por quatro anos que, dentre as suas atribuições, avalia as solicitações de apoio dos pesquisadores destas áreas em Minas Gerais, também me permite fazer esta constatação. Vale dizer ainda que, com a leitura feita pelos avaliadores do MEC, na sua última visita, o que nos falta fazer e investir foi ainda mais realçado, em termos de carência de pessoal, equipamentos e espaço físico. Neste sentido, o apoio por parte da direção da Faculdade e da Reitoria não nos tem faltado. Então, na medida em que temos isso definido e sabemos da necessidade de atualizações vamos unir   forças e seguir.
Urge "vestir e suar" a camisa para que possamos ultrapassar os obstáculos interpostos. Como eu já mencionei anteriormente, nas reuniões do Departamento e em outras conversas, as dificuldades que temos são comuns, ou seja, fazem parte desta agenda que me referi assentada em três frentes, por assim dizer, ligadas ao ensino, à pesquisa e à extensão. E podemos dizer ainda que temos em Minas Gerais um vasto campo para a atuação dos arquitetos e urbanistas com os seus mais de 800 municípios e a complexidade atrelada ao desenvolvimento destes. A contribuição para um desenvolvimento que considere as nossas realidades sociais e culturais cabe também aos profissionais que se formam, particularmente aqueles graduados em arquitetura e urbanismo pela UFJF.
Em relação às escolas estrangeiras, os intercâmbios e as interlocuções de pesquisa possibilitadas, têm sido essenciais para podermos vivenciar outras experiências. Neste sentido as redes de pesquisa cumprem um papel importante, tanto no âmbito nacional quanto no âmbito internacional. Com isso, ampliam-se os horizontes histórico-conceituais com conteúdos mais densos e aperfeiçoados. É o que me parece que temos que seguir e aprofundar. Enfim, o que me vem é a necessidade de uma fundamentação maior para podermos nos adequar às mudanças e, porque não dizer, para além desta adequação, para uma adaptação ao ritmo alucinante de tudo que está aí a nos desafiar no momento.

OTDB: Em seu período de graduação, quais arquitetos mais te influenciaram? E atualmente?

Obra do Berço - Oscar Niemeyer

FL: No meu período que foi de 1983 a 1989, ou seja, em sete anos de curso vivi dois momentos. O primeiro pela estadia no Rio de Janeiro e o segundo em Belo Horizonte. No Rio eu tinha uma visão privilegiada da paisagem como pára-quedista. As montanhas e o verde com as construções inseridas me deixavam impressionados, com o mar em volta, a Baía de Guanabara, tudo realmente muito maravilhoso. Neste primeiro momento, tinha uma admiração muito grande por tudo o que o Oscar Niemeyer fazia. Sempre gostei de desenhar a mão livre, sem instrumentos, por isso os riscos de Niemeyer traduziam para mim o próprio ofício do que era ser um arquiteto. A primeira visita como estudante foi à Obra do Berço feita por ele. Além do que o Niemeyer projetou, também visitávamos outras obras como o MAM do Reidy, outro referencial importante, e o Pedregulho, nas quais sobressaia também o paisagismo do Burle Marx.  O Teatro de Marechal 
MAM- Reidy
Hermes também feito por Reidy era outra obra que eu admirava pois passava por ali quase todos os dias para ir para a Gama Filho. Brasília de Lucio Costa era uma referência fundamental e o modernismo de Le Corbusier me encantava. 

Estudava o trabalho do Gregori Warchavchik também. Outros arquitetos como o Professor Vicente Del Rio que falou sobre a pesquisa em Baltimore, nos Estados Unidos, e o Zanine Caldas (que fazia casas de madeiras) eram referências importantes para mim.
No Rio as disciplinas de projeto eram em trechos da cidade o que tornava necessário estudar a especificidade destes locais, ou seja, era uma oportunidade para ver a cidade bem por dentro mesmo. Para o meu primeiro PA o terreno que eu escolhi foi em Niterói, pelas referências familiares que tinha por lá. Em 1983, a arquitetura de terra estava em voga, visitávamos casas em Búzios para ver como era possível recuperar esta tradição cultural na origem das nossas cidades. Neste primeiro momento as referências foram bem locais então.
Hotel Tijuco em Diamantina 
Já em Belo Horizonte, com o olhar ampliado pela Cidade Maravilhosa, a partir de 1986, outras referências vão se somar. Ainda em 1985, a minha participação no XII Congresso Brasileiro de Arquitetos definiu os rumos para a profissão que escolhi, a arquitetura como uma poética de vida, como um caminho para eu poder me encontrar. Os professores em Belo Horizonte eram mais arquitetos de profissão como o Gustavo Penna, o Flávio Almada, o Cuno Roberto Lussy, o Joel Campolina, entre outros. Além destes referenciais a minha visão foi ampliada pelos trabalhos de Sylvio de Vasconcellos, o Niemeyer de novo com as obras da Pampulha e obras como o hotel de Diamantina e o Grande Hotel de Ouro Preto, o Aleijadinho também entrou neste meu mergulho conceitual por Minas Gerais. Quando estávamos concluindo o curso o Pós-modernismo de Éolo Maia e Sylvio de Podestà foi preponderante e a grande maioria respondia aos problemas com linguagens que se aproximavam desta poética. Balaustradas, cornijas, pináculos eram utilizados de maneira indiscriminada. As referências italianas também interferiram muito como os trabalhos de Mario Botta e de Aldo Rossi. Dos Estados Unidos Philip Johnson também interferia nos trabalhos. 
Na atualidade, muitas ainda são as referências, mas tenho estudado o Lucio Costa, o Sylvio de Vasconcellos, entre outros, de um lado, no tocante a entender o passado no presente, e de outro lado, o que se interpõe em termos atuais para resolver os problemas das cidades. Aí são inúmeras as referências, Paulo Mendes da Rocha, Frank Gehry, Álvaro Siza, RenzoPiano, Jean Nouvel, entre muitos outros, para entender melhor as metodologias para a intervenção projetual nas várias escalas possíveis.  

Ciudad de las Artes y la Ciências
O que se coloca numa perspectiva de análise comparativa é entender as cidades como um sistema cuja complexidade envolve mais questões para além da forma. Neste sentido, buscar as soluções mais ousadas como recentemente visitei em Valencia, na Espanha, a Ciudad de lasArtes y la Ciências que permitem vislumbrar a possibilidade de requalificação e valorização de ambientes em estado de obsolescência. Estudos específicos como entender o que foi feito na trajetória dos arquitetos vencedores do prêmio Pritzker, as metodologias da história na Escola de Venezia que tem na sua origem o Manfredo Tafuri, na atualidade Guido Zucconi e Donatella Calabi, esta última como minha orientadora do Posdoc em que me encontro envolvido aqui no IUAV em Venezia. 


OTDB: Você desenvolve atividades de pesquisa e extensão sobre urbanismo desde 1994, como e quando surgiu seu interesse pelo urbanismo especificamente?
FL: Desde 1985, ainda como estudante, eu já fazia projetos de arquitetura com partidos que respondiam a programas de residências uni familiares. Na Escola de Arquitetura, como monitor de PAII era orientado pelos professores Cuno Roberto Lussy, César Gualtieri e José Oswaldo e participava da pesquisa sobre Arquitetura Rural do Prof. Cuno. O interesse pelo urbanismo não interrompeu esta atividade projetual e a relação com a arquitetura em si mesma que eu gosto muito de desenvolver como um trabalho de pesquisa. Nas demandas projetuais eu acompanhava a execução dos serviços; gerenciava o canteiro de obras e as etapas da construção, como uma continuidade das atividades ligadas ao que meu pai fazia. E ele sempre esteve ligado a este ramo, como empreiteiro de obras.
Mercado de Diamantina
No curso de arquitetura o meu trabalho final voltou-se para a requalificação urbanística de um município, que foi Rio Acima, integrante da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com este projeto que já trafegava por uma escala de abordagem mais ampla conclui a graduação em 89, como já mencionei, na Escola de Arquitetura da UFMG. Neste período, continuei a projetar residências, mesmo depois da minha ida para Salvador, em 1990, para cursar o Mestrado no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura da UFBA. Ali, a minha área de concentração foi a Conservação e o Restauro, tendo pensado inicialmente abordar o caso do antigo Mercado de Diamantina, protegido pelo IPHAN. Este era o projeto inicial alterado, posteriormente para o estudo da urbanística de Belo Horizonte. O processo de desenvolvimento da pesquisa e a defesa da dissertação reforçaram, então, o enfoque numa escala mais ampla já anunciada no final da graduação. 
Logo depois da defesa, em 1994, fui convidado pelo Prof. Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes para prestar apoio técnico no Subprojeto Belo Horizonte, integrante da pesquisa da rede Urbanismo BR, já mencionada, que desenvolvia o Levantamento documental sobre Urbanismo e Planejamento Urbano no Brasil. Com este trabalho na rede tive contato com pesquisadores de outras universidades e fui incluído como membro do grupo que permanece com uma agenda bastante intensa até hoje.
Então o interesse pelo urbanismo veio neste processo. A pesquisa na rede Urbanismo BR aprofundou o meu interesse pela história do urbanismo, tendo continuado a estudar o processo de planejamento em Belo Horizonte, a atuação dos urbanistas e, com isso, as repercussões do que foi pensado para a Capital no restante do Estado. Em 1998, como mencionei anteriormente, fui aprovado no Programa de Doutorado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP com orientação pela Profa. Cristina Leme, coordenadora da rede Urbanismo BR. A ênfase da pesquisa foi o urbanismo em Minas Gerais, particularmente sobre o processo desencadeado pela Belgo-Mineira, em 1934, no concurso para Monlevade. Ao mesmo tempo, a biografia dos urbanistas que participaram deste concurso, entre eles, Lucio Costa, Lincoln Continentino e Angelo Murgel. Em 99 assumi o cargo de professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF e continuei a pesquisa sobre a história do urbanismo. É o que tenho feito com o grupo Urbanismo MG da UFJF. 

OTDB: Você se formou no mestrado em 1994, e de 1995 a 1999 trabalhou como urbanista na prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Quais funções você desenvolvia?
FL: Depois de concluir o mestrado em 94 passei a publicar artigos nos jornais em Belo Horizonte sobre o planejamento da cidade numa perspectiva histórica. No ano seguinte, a diretora do Departamento de Memória e Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, Lidia Avelar me convidou para integrar o grupo dela. As atividades eram relacionadas com a proteção do patrimônio cultural na cidade. Desenvolvemos estudos mais amplos como os dossiês de proteção dos conjuntos urbanos dos bairros Floresta, Santo Antônio e Santa Tereza. Além disso, o Departamento prestava apoio para as decisões do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte - CMPCBH no tocante a proteção de bens isolados e no contexto de conjuntos urbanos. Todas as intervenções propostas para as áreas protegidas da cidade fossem elas em áreas edificadas ou áreas naturais como parques urbanos passavam pelo Departamento. Inúmeros eram os processos que eu e mais dois arquitetos com o apoio de outras áreas do conhecimento tínhamos que analisar. Interferíamos nos interesses de todos os proprietários, no tocante ao uso do solo na cidade, na busca de critérios que considerassem a memória da ocupação. Foi um grande aprendizado com o aprofundamento conceitual da visão multidisciplinar sobre os problemas das cidades. Trabalhei nas gestões de Maria Antonieta, com o Prefeito Patrus Ananias e com Luis Dulci e Fernando Brant e com o Prefeito Célio de Castro e aprendi a olhar a cidade com maior propriedade, particularmente Belo Horizonte, minha cidade natal.


OTDB: Como é o mercado de trabalho voltado para o urbanismo? Quais as possíveis áreas de atuação?
FL: A profissão tem sido muito requisitada afinal o estado de insustentabilidade, presente nas nossas cidades na atualidade, torna necessárias ações para reverter este processo. Em 2001 com o Estatuto da Cidade e antes com a própria Constituição Federal a obrigatoriedade da execução de planos diretores por parte dos municípios abriu muitas oportunidades. No entanto, tem muitos aventureiros e franco-atiradores atuando nas cidades. Ainda faltam profissionais capacitados e as escolas não oferecem formação suficiente. Trabalhar com o público diretamente, com comunidades distintas, em um palco de interesses diversos e difusos como revelam as cidades não é simples. A participação como obrigatória pelo Estatuto da Cidade torna tudo mais difícil, afinal não é fácil resolver as demandas acumuladas ao longo de décadas e décadas com a concordância de todos.
Dentre os municípios do Estado de Minas Gerais, a grande maioria não tem profissionais habilitados para o exercício da profissão. As administrações municipais dependem de apoios técnicos para este campo voltado para pensar os rumos futuros das cidades. A começar pela emergência da elaboração e execução de planos diretores. Pensar as áreas de expansão, os novos loteamentos, as áreas habitacionais, o uso do solo urbano qualificado, a proteção da memória e do patrimônio cultural são atribuições dos urbanistas. Além da atuação junto aos serviços públicos, a iniciativa privada também oferece muitas oportunidades. Novos empreendimentos imobiliários dependem de projetos urbanos, intervenções em conjuntos urbanos, projetos específicos de intervenção em determinadas áreas das cidades dependem também do aval de urbanistas. Ainda se colocam as possibilidades de atividades de pesquisa e extensão acadêmicas cuja participação de urbanistas também é requisitada.

OTDB: Na grade do curso de arquitetura e urbanismo da UFJF temos poucas matérias que abordam o urbanismo. Você acha que essa quantidade de matérias atualmente é suficiente?
FL: Por mais que se diga que o curso forma generalistas, na verdade a formação ainda é muito voltada para o ensino de projeto, ou seja, para o projetista de arquitetura que tem uma atuação muito limitada quando se trata de intervenções em partes significativas das cidades ou até mesmo na sua globalidade. As discussões sobre a reforma curricular ainda sobrecarregam a formação com esta ênfase "arquitetônica".
Com certeza os temas referentes ao urbanismo são insuficientes hoje, mas vamos ver no futuro. Urgem também atividades que movimentem mais a cidade, que mexam mais com as comunidades para motivar a participação. A profissão ainda é muito elitizada e distante dos problemas sociais espraiados nos horizontes dispersos em que se desenvolvem os centros urbanos. As intervenções propostas como aqui a "Nova Juiz de Fora" são feitas de cima para baixo, sem consultas comunitárias, sem a apresentação dos projetos em praça pública. Audiências públicas são obrigatórias pelo Estatuto da Cidade, alguém já foi convidado para alguma!? As reuniões da Comissão Técnica do Patrimônio deveriam ser mais divulgadas e quem sabe transmitidas ao vivo para mobilizar as comunidades no tocante ao patrimônio. A visão de conjunto ainda falta às gestões que têm administrado a cidade. O que foi feito do Parque Linear no itinerário do Rio Paraibuna?  A própria despoluição do Rio Paraibuna ainda está aquém do que deve ser feito. As cidades de Minas Gerais transformaram os seus rios em verdadeiras latrinas de esgoto e depósitos de lixo e Juiz de Fora não foge à regra.
Recapeamentos asfálticos e embelezamento de passeios são ações distantes e muito pouco eficazes para alcançarmos "novas" cidades. O que se tem feito é mais "maquiagem" do que intervenções urbanísticas que vão requalificar os ambientes urbanos, isso eu digo sobre o que tem sido feito aqui em Juiz de Fora e pode ser generalizado para outras cidades. O "botox" urbano tem prazo curto de duração, mas infelizmente é o que prepondera como ações nas gestões atuais das cidades. Por isso a formação deve ser ampliada no tocante aos conteúdos relacionados aos problemas urbanos com uma visão mais global e menos pontual e com um olhar menos elitizado da profissão, diga-se, representado por uma sintonia maior com as especificidades locais, com a cultura local, com os valores éticos e morais. E esse enfoque não impede de termos conhecimento das referências externas e das conquistas tecnológicas mais atuais.   

OTDB: Que atividades de ensino, extensão e pesquisa você desenvolve aqui na UFJF?
EMAU - UFJF
FL: No campo do ensino, o começo no Departamento, em 1999, foi voltado para as teorias e a história da arquitetura e do urbanismo. Assumi as disciplinas Teoria da Arquitetura e do Urbanismo II e Evolução da Arquitetura e do Urbanismo III. Neste mesmo ano foi publicado o livro "Urbanismo no Brasil: 1895-1965", organizado pela Profª Cristina Leme da FAUUSP, que representou um dos momentos importantes nas atividades de pesquisa pelo capítulo sobre Belo Horizonte com o Prof. Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes. Em paralelo a minha pesquisa do doutorado na FAU/USP estava bem encaminhada. Ao mesmo tempo, no curso orientava o Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo com demandas de projetos além de interlocuções com a INTECOOP/UFJF. 

Praça Guido Marliere

Desenvolvemos projetos para a Prefeitura de Ubá, a Requalificação Urbanística da Praça Guido Marliere e para cidades como Matias Barbosa além do trabalho com as cooperativas populares. Em 2001, o nascimento da minha filha Ana Raquel com Raquel Portes foi uma grande alegria. Neste período acompanhava a construção do Galpão da Arquitetura, particularmente a parte térrea e tudo era muito difícil. Nas aulas ainda usava o projetor de slides e as transparências no retroprojetor, tudo muito artesanal. Em 2004, assumi a coordenação do curso, depois da defesa da tese em São Paulo como já mencionado. Aos poucos o leque de atividades foi ampliado, sempre tentando manter a pesquisa e a extensão em andamento. Foi quando começamos a receber apoios externos nos editais que concorríamos no CNPQ e na FAPEMIG.  Com isso, conseguimos equipar o núcleo de pesquisa que intitulei "Urbanismo em Minas Gerais", cadastrado no CNPQ, como uma ramificação da rede Urbanismo BR ao qual permaneço vinculado. 
A pesquisa iniciada em Belo Horizonte foi ampliada para o estado com o título "Urbanismo em Minas Gerais, idealizações e realizações urbanísticas para as cidades mineiras (1856-1965)" em projeto que abordou as idealizações e realizações urbanísticas para as cidades, com o objetivo de compreender as propostas em termos de planos e projetos, bem como percorrer as trajetórias profissionais dos urbanistas envolvidos na transformação das mesmas. A pesquisa integrava a Rede Urbanismo no Brasil coordenada pela Profa. Maria Cristina da Silva Leme. No ensino assumi a disciplina "Projeto de Arquitetura e Urbanismo V" com a Profª Maria Julieta e "Técnicas Retrospectivas II" com o Prof. Julio Sampaio. Em 2005, submetemos proposta para o apoio a elaboração de planos diretores em 6 cidades da região que foi contemplada no ano seguinte. O projeto intitulado "Programa de Apoio aos Municípios: Plano Diretor Participativo de Chácara / MG, Coronel Pacheco / MG, Mar de Espanha / MG, Rio Preto / MG, Santana do Deserto / MG e Simão Pereira / MG" foi desenvolvido entre 2006 - 2007. A proposta envolveu o apoio, a elaboração, o acompanhamento e a avaliação de Planos Diretores Participativos, nestes municípios localizados na Zona da Mata Mineira. O trabalho desenvolvido com aproveitamento foi vinculado ao Programa de Apoio aos Municípios, desencadeado pela Universidade Federal de Juiz de Fora em julho de 2005. Ainda em 2006 iniciamos dois projetos de muita repercussão, o primeiro deles foi o Plano de Manejo Reserva Biológica Poço D'Anta em Juiz de Fora, coordenado pela Profa. Bernadete Maria de Souza da UFJF, sendo que este plano foi referente à compensação ambiental por parte da empresa BELGO Grupo Arcelor. O segundo projeto foi intitulado "Pela Memória da Rede Ferroviária S.A., itinerários e conjuntos ferroviários inseridos na Zona da Mata Mineira" como uma aproximação sobre a memória dos itinerários ferroviários em Minas Gerais, na perspectiva da sua relação com as intervenções urbanísticas nas cidades. 
Como portais de entrada para as cidades - no ir-e-vir proporcionado pelos encontros e despedidas no cenário das estações com os seus trens-de-ferro, devem ser inseridos nas ações e diretrizes das políticas urbanas, particularmente, como integrantes do circuito turístico dos municípios. Já em 2007, outra frente foi ampliada com o projeto "Por um desenvolvimento Urbano e Rural com bases sustentáveis para as cidades integrantes da Zona da Mata Mineira: Planos Diretores e Mapeamento Cultural" como uma continuidade, com vistas a atender às demandas específicas voltadas para o desenvolvimento urbano e rural das cidades integrantes da Zona da Mata Mineira, particularmente Chácara, Mar de Espanha e Santana do Deserto, que se inserem na Bacia do Rio Paraíba do Sul, nas quais temos o curso do Rio Cágado. Vale mencionar que aqui a interface extensão / pesquisa se constata pelos conteúdos desenvolvidos neste programa e pelos projetos voltados para o entendimento da formação das cidades mineiras, bem como de abordagem de questões relacionadas ao patrimônio natural. Tratava-se de enfoque mais preciso e didático, com vistas a permitir que os estudos e os levantamentos desenvolvidos na estratégia de apoio por parte da Universidade na elaboração dos Planos Diretores Municipais, fossem fixados plenamente. 

No ano seguinte, desenvolvemos as "Jornadas de Planejamento Municipal" que compreenderam atividades de pesquisa e extensão com as ações do programa Urbanismo em Minas Gerais, também em continuidade ao apoio e à implementação dos planos diretores dos municípios de Chácara, Coronel Pacheco, Mar de Espanha, Rio Preto, Santana do Deserto e Simão Pereira, mencionados anteriormente e a pesquisa sobre a formação das cidades mineiras. Neste mesmo ano, continuamos também o enfoque integrado com a rede Urbanismo BR com o projeto "Urbanismo em Minas Gerais: Olhares de engenheiros, arquitetos e outros profissionais nas idealizações e realizações urbanísticas para as cidades mineiras; ideário do Movimento Moderno"  voltado para a compreensão da história do urbanismo em Minas Gerais, onde buscamos ampliar a compreensão sobre as propostas urbanísticas desenvolvidas para as cidades do estado elaboradas por profissionais, como engenheiros, arquitetos e outros planejadores. Tal projeto segue na atualidade com o título "Urbanismo em Minas Gerais: Olhares de engenheiros, arquitetos, geógrafos e outros planejadores. Interlocuções nacionais e internacionais e Itinerários para a institucionalização do urbanismo e do planejamento urbano em Minas Gerais (1930-1980)", no qual se pretende a complementação e a atualização dos referenciais voltados para o urbanismo e o planejamento urbano nos dias atuais.


Prefeitura de Matias Barbosa
Neste sentido, abordamos duas frentes, entre os anos 1930 e 1980, numa perspectiva de análise comparada no período configurado pelo Estado Novo e pela Ditadura Militar. A primeira com as questões relacionadas com o processo de institucionalização e consolidação do urbanismo e do planejamento urbano junto à administração pública, a partir da capital do estado.  A segunda, voltada para o entendimento das interlocuções internacionais e nacionais dos urbanistas atuantes neste período, inclusive à frente de órgãos municipais e estaduais. Em 2011 participamos ainda do "Plano Habitacional de Pequeri" coordenado pela Profª Luciane Tasca e desenvolvemos o "Projeto de Restauro para a Capela do Rosário e o Prédio da Prefeitura", em Matias Barbosa. Coordenamos também neste ano o "Plano Diretor do Jardim Botânico da UFJF" e preparamos para o ano que vem as "Jornadas de Patrimônio Cultural" a serem desenvolvidas em seis municípios, a saber: Chácara, Mar de Espanha, Santana do Deserto, Pequeri, Lima Duarte e Matias Barbosa. Enfim, estas são as "frentes" abertas para o ensino, a pesquisa e a extensão que nos tem motivado bastante no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF. A partir de 2009, vale dizer ainda, buscamos internacionalizar as atividades, com o  intercâmbio com instituições estrangeiras, na Itália com a Università IUAV, di Venezia através da Profª Donatella Calabi, com a Università di Padova, com o Professor Giovanni Luigi Fontana e na Argentina, com a Universidad Nacional de San Juan, através da Profª Cristina Monfort. No âmbito da rede Urbanismo BR temos participado e promovido eventos e realizado encontros periódicos, na 
Capela do Rosário
forma de workshops, com discussões conceituais e de método, mesas redondas, além de palestras, apresentação de comunicações e a realização de sessões livres em eventos. Temos também orientado bolsistas BAT, BIC, além de Trabalhos Finais de Curso, Monografias de Especialização, com a perspectiva de orientação de Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado. Também ressaltamos a interface da pesquisa com os objetivos do Núcleo DOCOMOMO Minas Gerais, ao qual nos vinculamos desde a sua criação e com o Laboratório de Arquitetura e Urbanismo Social (LAUS) – Linha: Cidade em foco do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSJ.
Como um desdobramento destas atividades para este ano e o próximo, o meu afastamento do curso, para o Estágio Pós-Doutoral com o apoio da CAPES,  com o projeto intitulado "Prospettiva di analisi comparativa e metodologie per la comprensione della storia dell'urbanistica e della pianificazione urbana in Minas Gerais: traiettorie accademiche e professionali degli urbanisti italiani. La visione dell'urbanistica di Duilio Torres" que me encontro agora "mergulhado" na Università - IUAV di Venezia.
Università - IUAV di Venezia.

OTDB: Sobre o Estágio Pós-Doutoral no IUAV Università di Venezia. Qual sua atuação na Universidade de Veneza? Como surgiu esta oportunidade?
FL: Eu já mencionei como surgiu a oportunidade de estudar na Itália, em particular na Università IUAV di Venezia, com a Profª Donatella Calabi. Na verdade desde o doutorado eu já pensava em poder estudar fora do país. Ainda como estudante de graduação pensava em poder estudar na França e na Itália. Então essa oportunidade é a realização de um sonho. O contato com a Profª Donatella vem desde 2004, quando a conheci em um Workshop promovido pela Profª Cristina Leme na FAU/USP. Ainda em 1996 ela esteve em Belo Horizonte, mas eu nem imaginava esta aproximação e muito menos pensava em morar em Venezia como agora.
Foi em 2009 que a possibilidade de fazer um Pós-doc começou a se materializar, com a internacionalização da pesquisa em eventos fora do país. Aproveitei a ida a um congresso na Alemanha para passar por Venezia. O congresso era em Freiberg, no nordeste da Alemanha. Aí eu aproveitei o percurso e desviei a rota para um estágio técnico de uma semana em Venezia. Foi oportuno também ter uma aluna que orientei a Lilian Sales, lá de Rio Preto, morando aqui - e ela me ajudou muito, pois já conhecia tudo e estava estudando no IUAV. Foi quando tive as primeiras conversas com a Profª Donatella e aproveitei para conhecer as bibliotecas, além da rotina da escola, onde comecei a esboçar o meu plano de estudo. Ao mesmo tempo, no ano passado estabelecemos um convênio de cooperação e no início deste ano, em janeiro, encaminhei outro estágio técnico, desta vez de 14 dias, no qual elaborei o plano de trabalho com a orientação da Profª Donatella. O apoio da CAPES e o afastamento autorizado por parte da Universidade Federal de Juiz de Fora materializaram a possibilidade de desenvolver o Pós-doc iniciado agora em outubro. Aqui, já instalado em Veneza, tenho definido um programa de estudos com objetivos a serem alcançados, voltado para entender questões de método para a investigação de cunho histórico e o estudo de biografias de urbanistas. O que se coloca é o interesse pela análise comparada em termos de processos no campo da história do urbanismo,  guardadas as diferenças em termos de espaço e de tempo. Outra frente do Pós-doc também acompanhada pela Profª Donatella refere-se às interlocuções com o Dipartamento di Historia da Università di Padova sobre o tema das Companies Towns. Este também se insere na continuidade da pesquisa e nos seus desdobramentos.



OTDB: Como você avalia o desenvolvimento da cidade de Juiz de Fora nas últimas décadas?
Mergulhão
FL: Eu já me referi um pouco sobre isso, no tocante a insustentabilidade relacionada com o processo de desenvolvimento das nossas cidades. A cidade de Juiz de Fora não escapa a isso. Esta cidade média já com o perfil de uma grande cidade tem inúmeros problemas. Apesar disso é uma cidade muito agradável, com muitos atrativos e áreas verdes folgadas. A grande proximidade com o Rio de Janeiro, a pouca distância de Belo Horizonte e o percurso folgado até São Paulo, são facilidades que trazem muitas vantagens para a cidade. O Campus da Universidade Federal de Juiz de Fora perfaz um ambiente bucólico em meio a novas centralidades, ele mesmo como um vetor de expansão do centro antigo. Dos trechos que visitei na primeira vez que estive aqui, o campus foi um dos que mais me encantou. Também o mergulhão, o Morro do Cristo, o Rio Paraibuna foram outros. Estes com o Calçadão da Halfeld, o próprio Parque Halfeld, o espaço das Galerias, o Museu Mariano Procópio, entre outros tantos atrativos culturais diferenciam a cidade e caracterizam o seu espaço urbano. A cidade industrial ainda persiste entre chaminés e fábricas espalhadas pelo centro urbano, algumas protegidas como lugares memoriais. A velha Manchester Mineira do final do século XIX e início do XX, que quase assumiu o papel de Capital do Estado na disputa com outras cinco localidades, permanece com estas lembranças. 

Centro de Juiz de Fora e seus vários estilos
Moderna e dinâmica, estas palavras exprimem a marca da cidade com os seus vários tempos expressos em conjuntos ecléticos, Art Deco, modernistas e as várias linguagens e expressões dos dias de hoje. Nas últimas décadas as transformações da cidade seguem em um ritmo alucinante. Novos empreendimentos têm alterado o cotidiano e tornado mais difícil a gestão urbanística. Como pólo regional Juiz de Fora atrai olhares e gente de toda parte. De um lado antigos problemas persistem, de outro lado, novas questões ampliam a complexidade destes problemas. As políticas públicas não têm acompanhado a velocidade das transformações. O espraiamento da cidade em vetores diversos é algo que preocupa pois a infraestrutura atual encontra-se obsoleta. A proposta de uma "Nova Juiz de Fora", como uma nova cidade ainda exprime muito pouco em termos de ações políticas. Calçamentos de passeios e recapeamentos asfálticos constituem intervenções tão óbvias que podem ser desconsideradas como inovações, assim como os canteiros centrais feitos artesanalmente com alvenaria de pedra. Além de tudo isso, a conscientização de que o espaço público deve ser bem cuidado, por ser de todos, ainda não é algo presente e pouco explorado pelas mídias, muito menos pela própria administração municipal. O transporte urbano não melhora.  A circulação e a mobilidade estão cada vez mais dificultadas - no Campus da UFJF então, são muitos problemas. A precariedade das periferias urbanas carentes de serviços públicos e dotação de infra-estruturas é evidente. A violência urbana tem aumentado, basta observar como também aumentaram os serviços de segurança privada. Os rios estão cada vez mais poluídos. Poderia elencar aqui uma série de outros aspectos negativos. Infelizmente essa é a nossa realidade. O que fazer para reverter tudo isso, é o que temos pesquisado muito e estudado para oferecer o apoio técnico, quando este nos é solicitado.
Faltam, sobretudo, processos participativos. Então o que dizer do desenvolvimento da cidade, neste panorama evidenciado e vivido no dia-a-dia!? Digo que o desenvolvimento não tem qualificado a vida urbana. Por mais que tenhamos avanços em todos os campos, em termos tecnológicos inclusive, ainda temos muito que alcançar, para uma cidade mais bela, para uma cidade mais justa, enfim, por um desenvolvimento requalificado. Ou seja, os problemas são muitos e os mecanismos de gestão muito falhos com ações políticas insuficientes. Nestes 12 anos instalado na cidade a percepção é de uma cidade cada vez mais desigual. Mesmo com tudo o que já foi feito.

OTDB: Que aspectos positivos e negativos você observa no crescimento da cidade?
 FL: Essa expressão crescimento na verdade é sinônimo de desenvolvimento, o que já foi abordado anteriormente, e eu não uso, prefiro discutir o desenvolvimento como mencionado. Digo que o "crescimento" entenda-se desenvolvimento de Juiz de Fora tem sido "voraz", por assim dizer, principalmente no sentido do mercado imobiliário, que se apropriou de um dos vetores de expansão para os novos empreendimentos. Quando a cidade "cresce" somente em uma direção, e isso ocorre na maioria das nossas cidades, ela revela-se cada vez mais desigual.
É o que tem ocorrido aqui. As infraestruturas da zona Sul são as mais equipadas, como o acesso rodoviário com paisagismo "up" que acaba de ser concluído. Temos que abordar os problemas de maneira mais global com prioridade para os menos favorecidos. A requalificação do espaço urbano deve ser tratada de modo emergencial, para uma Juiz de Fora mais inclusiva e acessível. A questão dos transportes é algo crítico, pois daqui a pouco a circulação urbana não vai ser possível, se for mantida a opção pelo automóvel. Os problemas são vários e devem ser enfocados de maneira progressiva, levando-se em conta a continuidade administrativa com participação social. É o que apontaria até aqui.

OTDB: Fora da área de arquitetura e urbanismo, que outros interesses você possui?
FL: Bom, a arquitetura e o urbanismo como campo de conhecimento constituem algo muito importante para mim pelo papel social que temos e pelas responsabilidades todas atreladas à profissão. A questão do papel sócio-cultural na verdade que é algo essencial para mim. Estamos aqui para fazer algo mais além do trivial. Neste sentido, sempre busquei aproveitar as oportunidades sem ser "oportunista", e como tem gente "oportunista" neste mundo. E isso, aproveitar as oportunidades, em qualquer situação, tendo sempre presente a ética como referencial. Além disso, a questão religiosa no sentido do "fazer o bem", no viés do Espiritismo e do Catolicismo, que para mim significa ter sensibilidade para ouvir e me posicionar como se fosse o outro antes de pensar em mim mesmo.
E neste posicionamento buscar me reposicionar frente às desigualdades e aos problemas de toda natureza. Saber ouvir na verdade é mais do que este "fazer o bem" é a cada dia "pensar o bem" e pensar tudo com muito otimismo, mesmo nos momentos mais difíceis. E sempre acreditar que tudo vai melhorar, que tudo vai dar certo. Gosto também de pensar sempre em não me acomodar com o que estou fazendo, "cada dia como um novo dia". A família e os amigos como referências essenciais, dentre os valores a preservar. A minha filha eu acompanho cada "passo" com o maior carinho, pois sou um "papai-coruja" assumido e Ana Raquel a cada dia me surpreende, nos surpreende na verdade e fico muito feliz com isso. Aliás, este aspecto do "surpreender" é algo que tenho buscado no sentido de buscar alegrar as pessoas que convivem comigo. Pensar a vida como uma festa, é isso. Neste sentido, me interesso em preservar as velhas amizades e ter abertura para novas relações. A vida nos reserva surpresas para além do bem e do mal.
Nestes tempos de "facebook" temos a cada dia uma nova "amizade", mas não dá para considerar tudo, pois na verdade o "face" tem muita coisa de "fake". O facebook é mais fakebook do que tudo. Além disso, tudo, fakebook's a parte, penso que é importante termos uma "densidade" cultural, em termos de conteúdos em todos os campos, para podermos enfrentar os obstáculos e as dificuldades da vida. Por isso não é possível ficar alheio ao que ocorre ao nosso redor na política, na economia, na música, nas artes, na moda, então me interesso em estar atualizado. A fotografia, o desenho, as artes em geral me encantam e busco a minha expressão própria. Tenho fotografado e desenhado lugares, percursos urbanos e rurais, de maneira a registrar pessoas, edificações, modos de vida, etc. Na música e no cinema agora aproveito para ampliar o conhecimento sobre a cultura italiana na qual me encontro imerso neste Pós-doutorado aqui na Università IUAV di Venezia. Gosto de rock'and roll, samba e bossa nova, além da mineiridade do Clube da Esquina, com Milton Nascimento, Fernando Brant, Lô Borges e outros. Essa coisa da mineiridade me conduziu a querer saber mais da História de Minas Gerais, tenho lido Sylvio de Vasconcellos e autores que abordaram o processo de formação do estado. Bom, além disso, me preocupo ainda em manter a forma física e espiritual com caminhadas e corridas leves, além de meditação. Aqui em Venezia não tem como não caminhar todos os dias. Quando estava em Salvador, no mestrado, eu fazia capoeira angola e me sentia um verdadeiro soteropolitano. No ano passado fiz algumas sessões de Ioga e dança o que quero continuar. Gosto de cozinhar também, sendo que a minha especialidade, por assim dizer, é a moqueca baiana. Aprendi com Dadá, uma cozinheira muito boa que tem um cantinho lá na Feira de São Joaquim, na Cidade Baixa. Na política tenho acompanhado as ações do governo da Dilma com muito interesse, como acompanhei passo-a-passo o governo Lula. Penso que é o momento para que possamos consolidar a nossa presença continental. E aqui na Itália tenho acompanhado também o que acontece no dia-a-dia.
Enfim, é isso, agradeço esta oportunidade de reflexão pessoal e continuem com este THAU DO BLOG, e me coloco mais uma vez à disposição de vocês.

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Para quem quiser saber mais:
Página do UrbanismoMG no site da UFJF

Entrevista por Daniela Pereira Almeida



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