terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Resenha A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das ciências sociais e Patrimônio e cidade. “Sobrevivências” do passado em Ribeirão Pires.

Essa é uma resenha crítica sobre os artigos "A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das ciências sociais" de Ulpiano T. Bezerra de Meneses e "Patrimônio e cidade. “Sobrevivências” do passado em Ribeirão Pires" de Cláudio Rogerio Aurelio e Marina Veiga Scalabrini, traçando um paralelo entre as leituras e as vivências da nossa Juiz de Fora.

Começo essa resenha pelo autor Ulpiano Meneses por fazer um estudo afim de definir melhor o conceito e as funções do termo memória e finalizar seu estudo obtendo limites entre a história e a memória. Para isso, ele selecionou cinco problemas-chave:

 A resgatabilidade da memória:
            A caracterização mais comum de memória é aquele acúmulo de informações. Muitas vezes se pensa ser algo definido e acabado, condenado ao esquecimento, por isso, deve ser não só preservada e restaurada, mas também resgatada.
            No entanto, Ulpiano parece desacreditado quando ressalta que a memória é mutável, um constante processo de construção e reconstrução e que a heterogeneidade presente na memória individual de cada pessoa torna seu resgate uma ilusão.

O peso do passado:
            A elaboração da memória se dá no presente e para responder a solicitações do presente, como por exemplo um objeto antigo que fora fabricado atendendo os anseios de seu tempo e agora é usado para decorar um ambiente ou para ser exibido em um museu. Esse objeto tem todo o seu significado drenado e se recicla como algo portador de sentido. É do presente que ele tira sua existência. E se é do presente que se faz a construção da existência, não devemos esquecer que a referência do passado é essencial para se construir a memória, pois com a mudança ao longo do tempo, o presente pode permanecer incompreensível e o futuro pode deixar de ser contemplado em qualquer projeto.

A memória indivisível:
            É preciso ao menos duas pessoas para que a rememoração se reproduza de forma socialmente apreensível. Essa memória condividida se opõe à memória individual e pode ser de duas categorias: memória coletiva e memória nacional.
            A memória coletiva é um sistema organizado de lembranças que se respalda em grupos sociais situados no tempo e no espaço. Podem coexistir varias memórias coletivas que se relacionam de diversas maneiras.
A memória nacional é o tronco cultural que se tem, responsável pela criação de uma identidade nacional e pela compreensão histórica dos fenômenos.
O problema está na transferência da memória individual para uma das duas naturezas coletivas, já que para o autor, a rememoração é somente apreendida em conjunto.

A marginalização do esquecimento:
            Sem o esquecimento a memória humana seria impossível, é por isso que Meneses diz que ela depende de mecanismos de seleção e descarte. Apesar da falta de estudo na área, ele ressalta que há situações que podem propiciar o esquecimento como a tentativa de esquecer a morte, levando consigo a polaridade de funções dos cemitérios no Ocidente; a amnésia na história dos excluídos e oprimidos de todos os tipos como mulheres e escravos e também as lembranças proibidas, indizíveis ou vergonhosas como o caso dos campos de concentração nazista.

As estratégias e administração da memória:
            Existe uma grande problemática social da memória e para resolvê-la é preciso considerar o sistema, os conteúdos e incluir os agentes e suas práticas - todos aqueles que vivenciam e constroem sua história.

Memória/História:
            Ulpiano Meneses conclui que a memória é um objeto da história, necessária para se constituir e reforçar a identidade individual, coletiva e nacional. Uma operação ideológica de representação e reorganização do universo das pessoas. Já a história é uma operação cognitiva, uma forma intelectual de conhecimento.

Para os autores Claudio Rogerio e Marina Veiga, a ideia de patrimônio esteve durante muito tempo, ligada à antiguidade ou à um caráter que pudesse diferenciar dos demais o aspecto visível do objeto em questão. Esse conceito prevaleceu inclusive nos órgãos de preservação e acabou por privilegiar os monumentos arquitetônicos principalmente por carregarem esses atributos em sua materialidade. Contudo, esse pensamento vem se dilatando nas ultimas décadas, procurando englobar outras expressões culturais e fazendo com que o monumento arquitetônico se torne também uma estrutura de memória, de ações sociais e inserido no contexto urbano e ambiental.

Mas mesmo com essa nova concepção, o que se preserva é a memória de um determinado grupo social, pois muitas vezes acaba se transformando em interesse coletivo aquilo que é interessante apenas à uma parcela, e isso tem sido um eficiente instrumento de legitimação do poder. A escolha sobre o que preservar deve levar em consideração as múltiplas vivências para possibilitar que todos os grupos sociais reconheçam suas ações no passado e se apropriem de direitos no presente, fazendo com que o patrimônio passe a ser parte das relações sociais e deixe de ser apenas objetos pontuais, “bairros” ou “cidades históricas”. Cabe ressaltar aqui a proximidade com as estratégias e administração da memória de Ulpiano, já que os três autores concordam que é preciso reunir todos os agentes que constroem a história.

Tomando a cidade como referencial para a adoção de políticas de preservação, garantimos a continuidade da sociabilidade, da história acumulada e do sentimento de pertencimento de toda a população. Em detrimento, alguns projetos urbanísticos vem desconfigurando as cidades em nome do capitalismo e destruindo esses laços de pertencimento como é o caso dos processos de gentrificação. Essas modificações que ocorrem ao longo do tempo e que acrescentam à cidade as marcas de cada tempo, são típicas de uma sociedade capitalista e transformam o espaço urbano em mercadoria.

O patrimônio também pode ser vazio de significado quando se torna mercadoria na indústria turística, inclusive pode ser escolhido por apresentar um potencial econômico, mesmo que não tenha significado para a comunidade local. No caso do Pelourinho em Salvador, a reforma do local acabou subindo os aluguéis e expulsando os moradores de baixa renda que mantinham o patrimônio vivo. Fora criados então, uma gama de serviços voltados ao turismo, que transformou o local em um ambiente hostil, puramente visual, deixando de ser vivido. Em búzios, cidade litorânea do Rio de Janeiro, a passagem de uma atriz famosa, tornou uma pequena aldeia de pescadores em um pomposo centro turístico no estado, a Orla Bardot se transformou em uma avenida salpicada de turistas e completamente sem ligação com a história da cidade. Esses “cenários” criados são denominados pelos autores, respaldados por Ana Carlos, como um simulacro.

Fazendo um estudo histórico, Aurelio e Scalabrini, concluem que a formação urbana de Ribeirão Pires começou, de fato, com a inauguração da São Paulo Railway em 1867, da parada de Ribeirão Pires em 1885 e do Núcleo Colonial em 1887. Até a década de 50, a cidade permaneceu com características de subúrbio rural, ou seja, sem acúmulo de capital e, portanto, desprovido de um patrimônio exuberante, atributo da mercadoria turística.

Isso não significa que os patrimônios não tenham importância para a sua comunidade, as olarias por exemplo, foram uma das principais atividades de Ribeirão Pires, assim como Juiz de Fora foi pioneira na luz elétrica com a primeira hidrelétrica da América Latina e portanto, representam um grande significado para a população, não só se tratando das instalações, como também das relações que as englobam: conhecimento da técnica, representações etc.

Pensar o patrimônio histórico é pensar na cidade e na cidadania, tendo conhecimento de que na busca por recursos econômicos imposta pela globalização neoliberal, essa cidade se torna mercadoria, muitas vezes pela necessidade progressista de renovação. Preservar é uma atitude política que vai de encontro à essa transformação do espaço em uma mera mercadoria e também à contínua homogeneização de nossas cidades.

Preservar é reapropriar da cidade à medida em que se pensa o lugar que queremos viver, pois mantendo nossa história, podemos lançar os olhos no futuro sem pragmatizar pelos interesses capitalistas, resgatando as cidades como espaços políticos de sonhos e vivências.


Sobre os autores:
Cláudio Rogerio Aurelio é arquiteto e urbanista formado pela Universidade Mackenzie. Integrou o Centro de Apoio Técnico ao Patrimônio da Prefeitura Municipal de 1998 a 2003.

Marina Veiga Scalabrini é formada em História pela USP. É Membro do Centro de Apoio Técnico ao Patrimônio da Prefeitura Municipal e integrante do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural e Natural de Ribeirão Pires.

Ulpiano T. Bezerra de Meneses é Professor Emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, titular aposentado de História Antiga, docente do programa de Pós-Graduação em História Social, Licenciado em Letras Clássicas (USP, 1959), Doutorado em Arqueologia Clássica (Sorbonne, 1964) e foi diretor do Museu Paulista da USP.


Vitor Wilson é graduando do sétimo período do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora.


Por Vitor Wilson

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