Começo
essa resenha pelo autor Ulpiano
Meneses por fazer um estudo afim de definir melhor o conceito e as funções do
termo memória e finalizar seu estudo obtendo limites entre a história e a
memória. Para isso, ele selecionou cinco problemas-chave:
A
resgatabilidade da memória:
A
caracterização mais comum de memória é aquele acúmulo de informações. Muitas
vezes se pensa ser algo definido e acabado, condenado ao esquecimento, por
isso, deve ser não só preservada e restaurada, mas também resgatada.
No
entanto, Ulpiano parece desacreditado quando ressalta que a memória é mutável,
um constante processo de construção e reconstrução e que a heterogeneidade
presente na memória individual de cada pessoa torna seu resgate uma ilusão.
O
peso do passado:
A
elaboração da memória se dá no presente e para responder a solicitações do
presente, como por exemplo um objeto antigo que fora fabricado atendendo os
anseios de seu tempo e agora é usado para decorar um ambiente ou para ser
exibido em um museu. Esse objeto tem todo o seu significado drenado e se
recicla como algo portador de sentido. É do presente que ele tira sua
existência. E se é do presente que se faz a construção da existência, não
devemos esquecer que a referência do passado é essencial para se construir a
memória, pois com a mudança ao longo do tempo, o presente pode permanecer
incompreensível e o futuro pode deixar de ser contemplado em qualquer projeto.
A
memória indivisível:
É
preciso ao menos duas pessoas para que a rememoração se reproduza de forma
socialmente apreensível. Essa memória condividida se opõe à memória individual
e pode ser de duas categorias: memória coletiva e memória nacional.
A
memória coletiva é um sistema organizado de lembranças que se respalda em grupos
sociais situados no tempo e no espaço. Podem coexistir varias memórias
coletivas que se relacionam de diversas maneiras.
A memória nacional é o
tronco cultural que se tem, responsável pela criação de uma identidade nacional
e pela compreensão histórica dos fenômenos.
O problema está na
transferência da memória individual para uma das duas naturezas coletivas, já
que para o autor, a rememoração é somente apreendida em conjunto.
Sem
o esquecimento a memória humana seria impossível, é por isso que Meneses diz
que ela depende de mecanismos de seleção e descarte. Apesar da falta de estudo
na área, ele ressalta que há situações que podem propiciar o esquecimento como
a tentativa de esquecer a morte, levando consigo a polaridade de funções dos
cemitérios no Ocidente; a amnésia na história dos excluídos e oprimidos de
todos os tipos como mulheres e escravos e também as lembranças proibidas,
indizíveis ou vergonhosas como o caso dos campos de concentração nazista.
As
estratégias e administração da memória:
Existe
uma grande problemática social da memória e para resolvê-la é preciso
considerar o sistema, os conteúdos e incluir os agentes e suas práticas - todos
aqueles que vivenciam e constroem sua história.
Memória/História:
Ulpiano
Meneses conclui que a memória é um objeto da história, necessária para se
constituir e reforçar a identidade individual, coletiva e nacional. Uma
operação ideológica de representação e reorganização do universo das pessoas.
Já a história é uma operação cognitiva, uma forma intelectual de conhecimento.
Para
os autores Claudio Rogerio e Marina Veiga, a ideia de patrimônio esteve durante
muito tempo, ligada à antiguidade ou à um caráter que pudesse diferenciar dos
demais o aspecto visível do objeto em questão. Esse conceito prevaleceu
inclusive nos órgãos de preservação e acabou por privilegiar os monumentos
arquitetônicos principalmente por carregarem esses atributos em sua
materialidade. Contudo, esse pensamento vem se dilatando nas ultimas décadas, procurando
englobar outras expressões culturais e fazendo com que o monumento
arquitetônico se torne também uma estrutura de memória, de ações sociais e
inserido no contexto urbano e ambiental.
Mas
mesmo com essa nova concepção, o que se preserva é a memória de um determinado
grupo social, pois muitas vezes acaba se transformando em interesse coletivo
aquilo que é interessante apenas à uma parcela, e isso tem sido um eficiente
instrumento de legitimação do poder. A escolha sobre o que preservar deve levar
em consideração as múltiplas vivências para possibilitar que todos os grupos
sociais reconheçam suas ações no passado e se apropriem de direitos no
presente, fazendo com que o patrimônio passe a ser parte das relações sociais e
deixe de ser apenas objetos pontuais, “bairros” ou “cidades históricas”. Cabe
ressaltar aqui a proximidade com as estratégias e
administração da memória de Ulpiano, já que os três autores concordam que é
preciso reunir todos os agentes que constroem a história.
Tomando
a cidade como referencial para a adoção de políticas de preservação, garantimos
a continuidade da sociabilidade, da história acumulada e do sentimento de
pertencimento de toda a população. Em detrimento, alguns projetos urbanísticos
vem desconfigurando as cidades em nome do capitalismo e destruindo esses laços
de pertencimento como é o caso dos processos de gentrificação. Essas
modificações que ocorrem ao longo do tempo e que acrescentam à cidade as marcas
de cada tempo, são típicas de uma sociedade capitalista e transformam o espaço
urbano em mercadoria.
O
patrimônio também pode ser vazio de significado quando se torna mercadoria na
indústria turística, inclusive pode ser escolhido por apresentar um potencial
econômico, mesmo que não tenha significado para a comunidade local. No caso do
Pelourinho em Salvador, a reforma do local acabou subindo os aluguéis e
expulsando os moradores de baixa renda que mantinham o patrimônio vivo. Fora
criados então, uma gama de serviços voltados ao turismo, que transformou o
local em um ambiente hostil, puramente visual, deixando de ser vivido. Em
búzios, cidade litorânea do Rio de Janeiro, a passagem de uma atriz famosa,
tornou uma pequena aldeia de pescadores em um pomposo centro turístico no estado,
a Orla Bardot se transformou em uma avenida salpicada de turistas e
completamente sem ligação com a história da cidade. Esses “cenários” criados
são denominados pelos autores, respaldados por Ana Carlos, como um simulacro.
Fazendo
um estudo histórico, Aurelio e Scalabrini, concluem que a formação urbana de
Ribeirão Pires começou, de fato, com a inauguração da São Paulo Railway em
1867, da parada de Ribeirão Pires em 1885 e do Núcleo Colonial em 1887. Até a
década de 50, a cidade permaneceu com características de subúrbio rural, ou
seja, sem acúmulo de capital e, portanto, desprovido de um patrimônio
exuberante, atributo da mercadoria turística.
Isso
não significa que os patrimônios não tenham importância para a sua comunidade,
as olarias por exemplo, foram uma das principais atividades de Ribeirão Pires,
assim como Juiz de Fora foi pioneira na luz elétrica com a primeira
hidrelétrica da América Latina e portanto, representam um grande significado
para a população, não só se tratando das instalações, como também das relações
que as englobam: conhecimento da técnica, representações etc.
Pensar
o patrimônio histórico é pensar na cidade e na cidadania, tendo conhecimento de
que na busca por recursos econômicos imposta pela globalização neoliberal, essa
cidade se torna mercadoria, muitas vezes pela necessidade progressista de
renovação. Preservar é uma atitude política que vai de encontro à essa
transformação do espaço em uma mera mercadoria e também à contínua
homogeneização de nossas cidades.
Preservar
é reapropriar da cidade à medida em que se pensa o lugar que queremos viver,
pois mantendo nossa história, podemos lançar os olhos no futuro sem pragmatizar
pelos interesses capitalistas, resgatando as cidades como espaços políticos de
sonhos e vivências.
Sobre
os autores:
Cláudio Rogerio Aurelio é
arquiteto e urbanista formado pela Universidade Mackenzie. Integrou o Centro de
Apoio Técnico ao Patrimônio da Prefeitura Municipal de 1998 a 2003.
Marina
Veiga Scalabrini é formada em História pela USP. É Membro do Centro de Apoio
Técnico ao Patrimônio da Prefeitura Municipal e integrante do Conselho de
Defesa do Patrimônio Cultural e Natural de Ribeirão Pires.
Ulpiano
T. Bezerra de Meneses é Professor Emérito da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, titular
aposentado de História Antiga, docente do programa de Pós-Graduação em História
Social, Licenciado em Letras Clássicas (USP, 1959), Doutorado em Arqueologia
Clássica (Sorbonne, 1964) e foi diretor do Museu Paulista da
USP.
Vitor
Wilson é graduando do sétimo período do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Juiz de Fora.
Por Vitor Wilson