A
segunda edição do seminário "Olhar sobre o que é nosso", organizado
pela Funalfa, discutiu este ano a relação do patrimônio com cultura e
educação. Nos três dias do evento, dias 24, 25 e 26 de abril, a
programação contemplou os participantes com duas palestras e um debate.
No primeiro dia tivemos as palestras "Patrimônio, Cultura e Educação",
com Luiz Fernando de Almeida, presidente do Instituto
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e
coordenador do Programa Monumenta do Ministério da
Cultura e "Patrimônio imaterial sob a ótica
da cultura e educação", com Célia Maria Corsino,
museóloga e diretora do Departamento do Patrimônio
Imaterial do Iphan.
No segundo dia de atividades tivemos a participação de José Reginaldo Santos Gonçalves, PhD em
Antropologia Cultural pela Universidade de Virgínia
(EUA) e pesquisador Associado III do Programa de
Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a palestra "Patrimônio Cultural e Cultura" e também a participação de Lygia Baptista Pereira Segala Pauletto,
pós-doutora pela École des Hautes Études em Sciences
Sociales e pelo Centre D'Étude du Développement em
Amérique Latine, ambos na França. Coordenadora do
Laboratório de Educação Patrimonial da Faculdade de
Educação da Universidade Federal Fluminense, ela nos apresentou a palestra "Patrimônio cultural e educação".
Debate: José Reginaldo Santos e Lygia Baptista Pereira Segala Pauletto |
No terceiro e último dia, tivemos as palestras "Patrimônio cultural: um novo
campo de ação para os professores", com Júnia Sales
Pereira, da Faculdade de Educação da UFMG, uma das
coordenadoras do Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Ensino de História (Fae/CP-UFMG) e "Educação patrimonial na
perspectiva transdisciplinar", com Adriana Piva,
mestre em educação pela UFMG e bacharel em Filosofia
pela Universidade de São Paulo (USP).
Debate: Júnia Sales Pereira e Adriana Piva |
Os novos desafios trazidos pelas novas metas de patrimonialização imaterial foram ressaltados durante a fala da professora da Faculdade de Educação de UFMG Júnia Sales Pereira. Para ela, novas políticas
patrimoniais trazem consequentemente a invocação de novas culturas e a
sua aceitação é um desafio, como referencialidade e pertencimento. Ao mesmo tempo que as singularidades regionais e locais são incluídas nesse novo contexto, o sentimento nacionalista recebe uma provocação em relação à inclusão social.
E, neste sentido, os professores são considerados os agentes sociais que agem através da potencialização da cultura como patrimônio e podem provocar tais mudanças com maior domínio. Sob o olhar das novas ações patrimoniais o patrimônio, a cultura e a criação são agora entendidos como potência e é importante que as pessoas a se sentam parte do complexo patrimonial. Para exemplificar esta última afirmação, ela cita o poema "A rua em mim" de Carlos Drummond de Andrade, transcrito logo abaixo.
A rua em mim - Carlos Drummond de Andrade
Rua do Areão, e vou submergindo
na pirâmide fofa ardente, areia
cobrindo olhos dedos pensamento e tudo.
na pirâmide fofa ardente, areia
cobrindo olhos dedos pensamento e tudo.
Rua dos Monjolos, e me desfaço milho
pilado lancinante em água.
pilado lancinante em água.
Paredão da Rua Tiradentes, em Itabira |
Evitar a espetacularização do patrimônio.
Rua do Cascalho, arrastam meus despojos
feridos sempremente. Rua Major Laje,
salvai, parente velho, este menino
desintegrado.
Rua do matadouro, eu vi que sem remédio.
Rua Marginal, é sempre ao lado
ao longe o amor.
Ao longe e sem passagem na
Ladeira Estreita.
Rua Tiradentes, aprende e cala a boca.
Travessa da Fonte do Caixão,
e tudo acaba?
Rua da Piedade, Rua da Esperança,
Rua da Água Santa, e ao úmido milagre
me purifico, e vida.
feridos sempremente. Rua Major Laje,
salvai, parente velho, este menino
desintegrado.
Rua do matadouro, eu vi que sem remédio.
Rua Marginal, é sempre ao lado
ao longe o amor.
Ao longe e sem passagem na
Ladeira Estreita.
Rua Tiradentes, aprende e cala a boca.
Travessa da Fonte do Caixão,
e tudo acaba?
Rua da Piedade, Rua da Esperança,
Rua da Água Santa, e ao úmido milagre
me purifico, e vida.
Ruína - Manoel de Barros
Um monge descabelado me disse no caminho:
Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma
descontrução. Minha idéia era fazer uma coisa com jeito de tapera.
Alguma coisa que servisse para ABRIGAR O ABANDONO, como as taperas
abrigam. Porque o abandono não pode ser apenas um homem debaixo da
ponte, mas pode ser também um gato no beco ou uma criança presa num
cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado
para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem
ninguém dentro. (o olho do monge estava perto de ser um canto.)
Continuou: digamos a palavra AMOR... A palavra amor está quase vazia.
Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para salvar a
palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer
de um monturo. E o monge se calou descabelado.
O seminário contou com a presença de participantes provenientes de várias cidades da Zona da Mata Mineira, fato que evidenciou a sua importância para a formação profissional e acadêmica da população residente próxima ao município de Juiz de Fora. Acrescentou muito na minha formação não só acadêmica, mas também pessoal. Recomendo à todos que participem deste tipo de eventos, seja qual for sua área de atuação, pois nos estimulam a pensar de forma crítica e não apenas assistir os acontecimentos que interferem em nossa sociedade.
Por Jéssica Rossone