Brasília, apoteose do urbanismo brasileiro é a análise crítica considerada a mais completa sobre o processo de urbanização brasileira no período contemporâneo, destacando o acontecimento classificado como o auge do urbanismo no Brasil, que corresponde à construção de Brasília no Planalto Central brasileiro. Abaixo você vai conferir um breve resumo desta análise, com destaque para todos os detalhes que fizeram parte do processo de construção de nossa capital.
Na segunda metade do século XX o Brasil vivia importantes transformações socioeconômicas, culturais e políticas, que se refletiram diretamente nas artes e no urbanismo. A concepção de Brasília, um antigo sonho brasileiro realizado pela impreterível política de Juscelino Kubistcheck, foi classificada como esplendor do urbanismo nacional, e voltou atenções do mundo todo à nossa nação. Os croquis e o enxuto memorial justificativo não impediram a vitória de Lúcio Costa num concurso um tanto discutido e criticado pelos principais profissionais da época, como os irmãos Roberto e Afonso Reidy. Este último chegou a negar a sua participação do concurso. Os riscos simples, porém precisos, consagraram para sempre o plano piloto e seu autor, promovendo a arquitetura e o urbanismo nacionais no cenário mundial. Os edifícios mais representativos foram projetados por Oscar Niemayer, que soube como ninguém dar monumentalidade à nova capital. O sucesso do plano ultrapassou todas as críticas e driblou as dificuldades durante e após a obra, fazendo com que a nova capital representasse, sem dúvida, os anseios de um povo que começava a ver o mundo lá fora com outros olhos.
O sucesso alcançado pela criação das capitais regionais foi um fator para a afirmação de um antigo sonho brasileiro: a capital administrativa deveria ser transferida para o interior do país. Ives Bruand, fala sobre operação que culminou com o nascimento de Brasília e suas origens, fazendo uma relação com cidades como Belo Horizonte e Goiânia e seus referentes planos em “Brasília, apoteose do urbanismo brasileiro”. Tal relação feita por ele se baseia em divergências e convergências que dizem respeito à finalidade de cada plano. No caso de Belo Horizonte e Goiânia, estava claro que as finalidades eram indiscutivelmente econômicas, enquanto que no caso de Brasília, os fins políticos predominavam, fazendo que a economia fosse apenas uma consequência do sistema urbano. Segundo ele: “Brasília foi a expressão de uma vontade de afirmação da grandeza e vitalidade do Brasil.”
Em meio a grandes mudanças políticas, revoltas, ditaduras e revoluções, surge o nome de Juscelino Kubistchek e é neste contexto que o sonho da nova capital vai ser realizado. Para Ives, “era uma prova de realismo por parte do presidente; não podendo ser reeleito de acordo com a constituição.” O local já havia sido determinado com precisão alguns anos antes, pelo Marechal José Pessoa e sua comissão: o Planalto Central, região semideserta, que exigiu, antes de mais nada, a abertura de estradas de primeira ordem. O imenso lago artificial, hoje Lago Paranoá, também já constava nos primeiros planos. Lançadas tais condições preliminares, facilitou-se a criação da cidade completamente artificial que viria a cumprir suas funções primordiais num prazo de menos de cinco anos.
“A nova capital serviu como pólo de atração, como traço de união e base de partida para a conquista interna do território, segundo os planos estabelecidos.” Para o autor, Brasília alcançou inegável sucesso no plano psicológico, independente da controvérsia sobre a sua lógica e efeitos materiais. A cidade capital uniu as regiões do país, unindo ao mesmo tempo fatores administrativos, econômicos e, principalmente, culturais. Passo importantíssimo diante do momento que todo o mundo estava passando: a globalização, ainda que no chamado “Terceiro Mundo”.
Inaugurada em 21 de abril de 1960, a cidade ainda era um imenso canteiro de obras. Eram raros os blocos residenciais completamente terminados e a administração era apenas uma pequena parte na nova cidade, concentrando-se ainda na antiga capital. Anos mais tarde consolidaria-se como uma grande e digna capital, também com seus problemas mas fazendo jus aos investimentos maciços que lhe foram permitidos.
Tendo falado sobre as origens e finalidade da cidade, num segundo momento o autor fala sobre a organização do concurso que elegeu o plano piloto e sobre as principais propostas recebidas.
Logo depois de instalado no poder, Juscelino Kubistchek criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital, órgão encarregado de todas as operações visando a construção da cidade. Era a retomada dos métodos utilizados em Goiânia e Belo Horizonte, porém com um caráter mais nitidamente político. No que diz respeito ao plano da cidade, dois arquitetos da comissão do Marechal José Pessoa haviam cogitado a presença de Le Corbusier e inclusive esboçado um programa. Eram eles: Afonso Reidy e Burle Marx. Mas o pensamento arquitetônico havia mudado desde então e a arquitetura brasileira tinha se imposto no cenário mundial. Contratar um estrangeiro inseria-se mal no contexto psicológico da mística nacional, e isso se agravava ainda mais, pois era uma capital que seria construída, ou seja, uma cidade que refletiria o povo brasileiro.
A partir de 1940, o presidente encontraria na pessoa de Oscar Niemayer a figura de um colaborador ideal para sua campanha política, em que as construções monumentais desempenhavam um papel decisivo. Encarregou-o das funções de diretor do Departamento de Arquitetura da Companhia Urbanizadora e deu-lhe a missão de projetar os edifícios mais representativos de Brasília, além de vislumbrar a idéia de que ele também traçasse o plano da cidade. Oscar Niemayer recusou-se a fazê-lo e aconselhou que fosse feito um concurso para a escolha de outra pessoa.
A publicação no Diário Oficial de 20 de setembro de 1956 do programa para o plano de Brasília obrigou os candidatos a elaborarem eles mesmos os dados político-administrativos previstos, mas também lhes proporcionou mais liberdade de criação. No programa “não se exigia nenhum estudo geográfico e sociológico prévio, o que evitava a preeminência de equipes já constituídas e a exclusão de iniciativas individuais”, segundo o autor. A única restrição dizia respeito à ocupação de uma zona próxima ao lago artificial, reservada para a construção do Palácio do Presidente e de um hotel destinado aos hóspedes que viriam visitar os trabalhos. E apesar de toda liberdade, a topografia trazia problemas, sendo impossível ocupar ao mesmo tempo as margens do lago e o espigão das colinas situadas entre dois e seis quilômetros do lago, sem que se estendesse desnecessariamente uma cidade prevista para quinhentos mil habitantes.
Mesmo com a instituição do concurso, Niemayer continuava sendo a voz predominante, sendo os representantes do júri designados pela própria companhia ou por ele. Esta situação causou críticas graves de Reidy, Moreira, que se recusaram a participar do concurso, e dos Roberto, acarretando mais tarde a demissão de Niemayer.
Vinte e seis trabalhos foram apresentados e o júri ficou reunido para a decisão de 12 a 16 de março de 1957, quando divulgou que o anteprojeto de Lúcio Costa fora o escolhido. “A simplicidade do desenho e da concepção, a admirável concisão do memorial explicativo, onde todas as palavras importavam, tornaram acessível aos leigos a compreensão do documento e seu alcance excepcional.” A repercussão do anteprojeto de Lúcio Costa foi imensa e as reações internacionais, menos rápidas, vieram após a cidade começar a ganhar forma. O único jurado que se opôs a decisão de premiar Lúcio Costa foi Paulo Antunes Ribeiro.
Todos os projetos tinham em comum o traçado predominantemente racional apesar de alguns escolherem a região das margens, outros das colinas e alguns poucos, utilizarem as duas regiões. As quatro funções enunciadas na Carta de Atenas de 1933, que são habitar; trabalhar; cultivar o corpo e o espírito e circular estavam muito bem definidas a partir da distribuição de setores; a substituição da rua antiga por uma nova concepção de espaços livres e blocos isolados; a previsão de um crescimento orgânico para a realização sucessiva de estruturas justapostas.
Ainda com todas essas semelhanças, havia diferenças notáveis entre as propostas, variando a elaboração de estudos sociais e econômicos diferentes e também o detalhamento desses estudos. Os Roberto, apesar de criticarem o processo seletivo, destacaram-se pela seriedade de seu trabalho, adicionando ao projeto um relatório detalhado das conclusões sobre dados socioeconômicos; e também pelo esforço de descentralização urbana que caracterizava o seu projeto, conseguindo por seu trabalho o terceiro lugar no concurso. Rino Levi e seus associados, também classificado em terceiro lugar, destacava-se pela amplidão de estudos técnicos e por levar o efeito plástico da composição para os edifícios residenciais, desviando a atenção dos edifícios administrativos. O segundo lugar ficou com um grupo de estudantes recém-formados pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, cujas soluções apresentadas se assemelhavam às que foram apresentadas por Lúcio Costa.
Este é apenas o início de uma narrativa feita com muito esmero para contar a história desta cidade que hoje apresenta nosso país para críticos de todo o mundo através da arquitetura moderna. Para saber mais, O Thau do Blog indica o livro Arquitetura Contemporânea no Brasil, escrito por Yves Bruand.
Referências:
BRUAND, Yves. Brasília, apoteose do urbanismo brasileiro. IN: BRUAND, Yves: Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1995, PP.352-372.
Por Jéssica Rossone