segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Política de Negligenciamento


Muitas pessoas se perguntam como se dá o processo de favelização. Aqui no Brasil conta-se a história de que o governo não conseguiu conter o crescimento das cidades, que foi de fato muito rápido nas atuais metrópoles. Mas em alguns lugares o governo não perdeu o controle “sem querer”.
O livro Origens da Habitação Social no Brasil, de Nabil Bonduki, relata como se deu esse processo em São Paulo, no final do século XIX e início do século XX.
A abertura de novas indústrias na cidade acarretou a migração de muitas pessoas de outras áreas urbanas ou rurais a fim de se tornarem operários. Como os salários não eram bons, as pessoas não tinham como arcar com aluguéis de moradias que atendessem um mínimo das necessidades, e acabavam tendo que optar por morar em cortiços.

Cortiço em São Paulo, no Brás, 1950


 A moradia em um cortiço às vezes contava com apenas um quarto e cozinha, e o banheiro e área de serviço eram comunitários. Por causa dessa falta de espaço as pessoas costumavam passar mais tempo fora de suas casas do que dentro. A população de classe média e alta culpava os cortiços pelas doenças, falta de higiene, “vadiagem”, e tudo que era considerado maus hábitos.

Foto de cortiço em São Paulo


Diante da falta de moradias e uma inflação alta, o governo criou a Lei do Inquilinato, que congelava o preço dos aluguéis, para que os operários tivesse como morar, ainda que precariamente. Ao mesmo tempo em que a população estava insatisfeita, surgia o movimento modernista na arquitetura brasileira, que clamava por dar aos operários melhores condições de vida – aos operários em cortiços, porque as pessoas que começavam a construir em terrenos baldios nos morros por não ter como custear nem cortiços, não eram sequer consideradas como população.
Surgiram alguns programas do governo, que utilizavam o dinheiro de Institutos de Aposentadoria e Pensão para financiar conjuntos habitacionais, mas mais tarde se viu que esses fundos acabaram ajudavam uma maioria de pessoas que não precisavam tanto.

Plano de Avenidas de São Paulo de Prestes Maia em 1930, foi necessário derrubar muitos cortiços para se concretizar o plano, o que agravou ainda o problema de falta de moradia.


A população que realmente precisava não tinha dinheiro para comprar um lote e construir novas casas, ao mesmo tempo em que não era rentável para a iniciativa privada investir em novas moradias, pois o aluguel de casas estava congelado.
Então, latifundiários que detinham muitas terras sem uso na periferia da cidades começaram a lotear glebas para vender a preço baixo inicialmente, e à medida que o governo se visse obrigado a urbanizar a nova área a terras que restassem subiriam de preço. Aí começam os bairros de periferia, que foram loteados de forma irregular e sem apoio do governo. Portanto não contavam com transporte, água canalizada, esgoto, ou qualquer equipamento urbano. As pessoas construíam suas próprias casas com os materiais que tivessem à mão.
O Estado fez vista grossa, pois para ele era interessante, causava na população uma sensação de que estava subindo de vida, e o próprio Estado não precisaria custear moradias, e por outro lado não precisaria cobrar um aumento de salário das indústrias empregadoras.
Na Europa esse processo começou um século antes de ter começado na América Latina, e tendo consciência do problema os governos europeus procuraram reverter essas marcas através de políticas de Bem Estar Social.
Graças às negligências do governo brasileiro, esse problema que teve início no final do século XIX ainda é um dos principais problemas no século XXI, e nem por isso é tratado como prioridade. Vemos os governos repetindo os mesmo erros mandato após mandato, de se realocar a população de bairros favelizados para periferias distantes, sem dar às pessoas condições de morar no local com qualidade de vida.
A diferença do Brasil para a Europa é que lá a legislação das cidades parece corresponder à realidade local, enquanto que aqui não há essa correspondência, o que leva à ampla prática de informalidade como única condição de acesso à cidade para grande parte da população.


Por Daniela Pereira Almeida

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