João Henrique dos Santos é professor do Departamento de História e Teoria da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e pesquisador colaborador do Núcleo de Apoio à Pesquisa: Produção e Linguagem do Ambiente Construído da FAU-USP. Graduado em Ciências Biológicas pela UFRJ, é Doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Sua contribuição um tanto inesperada na pesquisa, é essencial em diversas frentes relacionadas à Arquitetura, como História e Teoria da Arquitetura, Arquitetura no Brasil, Arte e Arquitetura Sacra e Religiosa, Arquitetura Islâmica e Arquitetura como linguagem.
O THAU DO BLOG agradece ao Professor Dr. João Henrique dos Santos por nos conceder gentilmente esta entrevista.
Equipe Editorial O THAU DO BLOG
O THAU DO BLOG: Graduado em Ciências Biológicas (Bacharel em Ecologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em História Social pela mesma Instituição, Doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora e, atualmente, Doutorando em História pela UFRJ, você tem uma trajetória acadêmica diversificada e interessante. Fale sobre seu interesse pela Arquitetura. Quando e por quê você decidiu desviar seus olhares para a Arquitetura, especificamente?
JOÃO HENRIQUE: Eu costumo dizer que minha relação com a Arquitetura vem desde sempre, através da fascinação pelo belo. Desisti de sequer tentar fazer Arquitetura porque sou um péssimo desenhista. Nos meus tempos de Graduação, quando eu era monitor da disciplina Ecologia Básica, tivemos uma aluna que era da FAU e ela foi quem me despertou a atenção para o vínculo profundo que a Arquitetura tem com o ambiente natural, com a ambiência. A partir daí, comecei, por minha conta, a ler livros de Arquitetura, sendo que um dos que mais me marcou foi o “Construindo para os pobres”, do arquiteto egípcio Hassan Fathy, um homem brilhante e de uma profunda sensibilidade social. Depois, li Walther Gropius e sua “Bauhaus” e outros tantos livros, a ponto de eu me surpreender, quando do concurso para a FAU-UFRJ, de quantos livros de Arquitetura e Urbanismo eu já tinha lido. Acho que a Ana Luísa se surpreenderia ao saber que seu antigo monitor de Ecologia Básica tornou-se Professor da FAU. Eu lembro também que Arquitetura e Religião, minha área de estudo dentro da História, estão profundamente ligadas, pois os espaços construídos para a prática da crença, da religião espelhavam não apenas o seu tempo, mas também as ideias e dogmas religiosos.
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ |
OTDB: Como você mesmo disse, atualmente você é Professor do Departamento de História e Teoria da Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. Quais são as disciplinas que você leciona? Para você, qual a importância destas disciplinas na formação dos futuros arquitetos?
JH: Ministro História da Arquitetura e das Artes II e Arquitetura Sacra e Religiosa, uma disciplina eletiva cuja criação eu propus e que teve uma boa aceitação por parte dos estudantes. Também ministrei Estudos Sociais. A Arquitetura, na catalogação feita pelo MEC, está na grande área de Ciências Sociais Aplicadas, e é assim que eu a percebo. Não é apenas o domínio da técnica ou dos padrões de estética, mas sim a sua aplicação na vida das pessoas, construindo o espaço a ser habitado, desenhando as cidades. Desta forma, Estudos Sociais é uma disciplina que vejo como fundamental para lançar as bases do pensamento social no exercício profissional do arquiteto. É o momento de dialogar com aqueles que pensam a cidade e a sociedade, como Manuel Castells, Roberto DaMatta, Jaime Lerner e tantos outros. Quanto à História da Arquitetura e das Artes, procuro fazer com que os estudantes percebam que a Arquitetura se dá no tempo e no espaço, sendo o reflexo daquele momento, daquela sociedade, mas também, sob a perspectiva simbólica, do discurso, da linguagem, apresentando elementos universais e atemporais. Por fim, a ideia de instituir a disciplina Arquitetura Sacra e Religiosa surgiu da constatação de que o homem edificou muito mais para Deus do que para o próprio homem, e, quando entendemos quais as bases sobre as quais os crentes constroem seus edifícios, passamos a entender melhor sua cultura e sua visão de mundo, podendo fazer com que um mundo de maior respeito, tolerância e coexistência seja construído. A excelente aceitação que a disciplina teve entre os estudantes da FAU e de outras Unidades da UFRJ, uma vez que alunos da Escola de Belas Artes e do Instituto de História desejam inscrever-se nela nos semestres vindouros, parece indicar o acerto da criação dessa disciplina, que vem ao encontro de uma demanda que havia.
OTDB: Por ser uma profissão de caráter generalista, o profissional da arquitetura, em geral está habilitado para trabalhar em áreas bastante distintas que podem oscilar da arte à técnica. Na sua opinião, a formação atual do arquiteto corresponde a esta afirmação? Por que?
JH: Penso que sim, a partir daquilo que vejo na UFRJ e do que sei de outras Instituições. Esse leque amplo ao qual vocês se referem necessita fundamentalmente que o arquiteto tenha tido em sua formação não apenas disciplinas técnicas, como as voltadas a edificações, estrutura, conforto, instalações etc., mas também aquelas que lhe forneçam base de formação teórica, histórica e artística para que ele possa atuar nas questões referentes ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, algo tão importante e que precisa ser ainda mais valorizado e cuidado em nosso país. Ademais, a História e a Teoria da Arquitetura, quando bem aprendidas pelo estudante de Arquitetura, levarão seus projetos a ter maior solidez e consistência. Considerando sua atuação como arquiteto e urbanista, este profissional deverá ter as bases necessárias para dialogar com profissionais de outras áreas do saber, especialmente das ciências sociais e das engenharias, para buscar fazer com que o espaço construído seja o mais harmonioso possível, o mais confortável e sustentável, considerando a construção seja da habitação ou da cidade não apenas de um lugar de morar, mas de um lugar de viver.
OTDB: Alguns de seus trabalhos publicados são sobre Arquitetura Sacra e Religiosa e Arquitetura Islâmica. Quando surgiu o seu interesse por estes temas, especificamente?
JH: Como eu disse, o homem tem construído muito mais para Deus do que para o próprio homem. Ao trabalhar com História das Religiões, tornou-se, para mim, muito mais evidente que não se pode pensar em religiões e religiosidades sem pensar nos espaços construídos para (e pela) fé. Como pensar na Idade Média, por exemplo, sem entender o Gótico e seu significado? Como entender a Contrarreforma sem dedicar-se a compreender o Barroco, não apenas como manifestação literária ou arquitetônica, mas como espírito e espelho de um tempo? Já a Arquitetura Islâmica fascina por servir, a um tempo, à fé e ao poder, e pela própria concepção totalizante do Islã, ela reflete a sociedade e o tempo nos quais ela se desenvolve. Assim, a arquitetura dos Omíadas em Damasco vai diferir da arquitetura otomana, gerada a partir da “Sublime Porta”, da mesma forma que esta diferirá das arquiteturas islâmicas da Ásia Central, da Índia ou do Extremo Oriente, embora todas estejam norteadas pelos mesmos princípios fundantes e estruturantes do ponto de vista da fé. Portanto, desde que comecei a me
envolver com os estudos sobre História das Religiões surgiu o interesse pela Arquitetura Religiosa.
Mesquita Jumeirah em Dubai, a maior e única dos Emirados Árabes a abrir suas portas para não-mulçumanos |
JH: Em primeiro lugar, o nosso agradecimento a vocês pela divulgação. Confesso que o evento superou as nossas expectativas mais otimistas, com a participação de mais de 300 estudantes de várias Unidades da UFRJ (Fac. Letras, Esc. Politécnica, COPPE, EBA, Inst. História etc.) e de outras Instituições, sem contar a presença de profissionais que foram assistir às palestras e participar dos debates, contribuindo para abrilhantar o evento, que contou com o apoio decisivo de todas as instâncias da UFRJ: Pró-Reitoria de Extensão, Centro de Letras e Artes, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Departamento de História e Teoria. Foi um trabalho vitorioso em razão também da dedicação da Comissão Organizadora, o que nos levou a já programarmos para outubro ou novembro de 2013 o II Colóquio sobre Arquitetura Religiosa. Estes eventos, por reunirem especialistas em assuntos pertinentes ao tema principal, tornam-se uma fonte importante de ampliação de horizontes para todos os que participam. Posso lhes dizer, muito especialmente, que aprendi coisas novas e importantes sobre as quais passei a pensar desde então.
JH: Esta pergunta é muito interessante porque nos leva a refletir sobre o papel da religião na contemporaneidade. O que percebemos atualmente é um retorno ao sagrado, mas sem que isso se vincule à pertença a uma religião. Em verdade, parece-me que as pessoas buscam um retorno à espiritualidade, e esta prescinde de templos. Surge, como exceção, o mundo muçulmano, que vive desde os anos 1970 um reflorescimento, que se traduz na construção de mesquitas e centros islâmicos não apenas nos países muçulmanos, mas também em países nos quais a população muçulmana já representa um percentual expressivo da população do país, como a França e a Inglaterra, por exemplo. Também é importante recordar que na Índia, no início do século XXI, ergueu-se um templo hinduísta baseado nos princípios védicos e utilizando-se os mesmos materiais e técnicas prescritos nos livros sagrados do Hinduísmo. O que seria isso, se não uma busca de recolocar a religião em um papel de centralidade na vida da sociedade?
Mesquita Central de Birmingham, Inglaterra, usada pela a comunidade muçulmana para seminários, palestras, recreação e oficinas |
Templo Akshardham, India, o maior templo Hindu do mundo, construído em 2005 por voluntários e artesãos, esculpido em pedra, com exposições que usam alta tecnologia, um teatro IMAX, fonte musical, praça de alimentação, jardins espetaculares. É o local com maior visitação na India atualmente. |
JH: Há dois livros interessantes que abordam essa questão no mundo cristão, especialmente no catolicismo romano, que são “Ugly as sin” (“Feio como o pecado”) e “No place for God” (“Sem lugar para Deus”), que criticam a aplicação dos conceitos da arquitetura moderna para a construção de igrejas católicas. Na verdade, o que me parece que esses autores desejam é a volta ao mundo pré-Conciliar, com tudo o que implicaria a negação das decisões do Concílio Vaticano II. Não há como negar a beleza de alguns templos contemporâneos, projetados por Tadao Ando, Oscar Niemeyer, Le Corbusier, Steven Holl e tantos outros arquitetos. Se rompem com alguns paradigmas arquitetônicos, por um lado, por outro mantêm intocáveis elementos essenciais como a construção de um lugar no qual o sagrado seja percebido, sentido. Essa experimentação não é a do arquiteto, mas do crente, do fiel. A meu ver, devem os arquitetos buscar atender mais aos princípios que norteiam a construção dos templos religiosos do que aos ditames prescritivos do modernismo ou de ideias próprias, algumas vezes dissociadas ou até antagônicas a esses princípios que citei.
Church on the water de Tadao Ando, em Hokkaido, Tomamu, Japão |
Chapel of St. Ignatius de Steven Holl, em Seattle, Estados Unidos |
OTDB: Além da Arquitetura Religiosa, quais outros temas lhe interessam dentro da área?
JH: A arquitetura brasileira, especialmente a dos tempos coloniais, não apenas por uma memória afetiva, pois meu pai era de Ouro Preto, mas também porque falam do momento em que começava a ser plasmado nosso país, a nossa cultura. Também a reflexão sobre a Arquitetura como linguagem é um tema fascinante, pois permeia, em verdade, toda a produção arquitetônica ao longo da História. Os Projetos de Extensão que coordeno envolvem uma área que me é muito cara, que é o Patrimônio Histórico, Artísitico e Cultural. Cuidar e preservar esses “lugares de memória”, nas palavras de Pierre Nora, é dever que não é apenas do historiador ou do arquiteto, mas que devem envolver toda a sociedade.
OTDB: O Thau do Blog tem como principal objetivo promover a discussão sobre Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo. Quais são suas principais constatações, sugestões e críticas sobre o ensino/aprendizado do tema?
JH: Tanto a Teoria quanto a História da Arquitetura e do Urbanismo são imprescindíveis para a formação de um bom Arquiteto e Urbanista. Entendo eu que, embora sejam temas indissociáveis, pedagogicamente faz-se necessário que sejam ministrados como disciplinas individualizadas. O que não significa que não deva haver diálogo entre os conteúdos e os docentes que as ministram. Muito ao contrário! Defendo que haja sempre um diálogo maior entre as disciplinas e os professores, de modo que possamos aprofundar cada vez mais as discussões com nossos estudantes, abrindo-lhes sempre mais os horizontes e ampliando a perspectiva pela qual eles veem a Arquitetura e o Urbanismo. Enriqueço muito mais minhas aulas de História da Arquitetura e das Artes ao dialogar com colegas de Isostática, Resistência dos Materiais, Conforto, Estruturas e colegas de Engenharia Civil e de Materiais, além dos colegas que trabalham com História e Teoria do Urbanismo. Talvez fosse o momento de repensarmos se não deveria ser reintroduzida – naqueles Cursos que já a tiveram – ou então introduzida a disciplina Teoria do Projeto, que é ministrada na França e em muitos países de tradição francesa, como a Argélia, com um excelente resultado, fazendo o estudante refletir sobre o projeto que está a executar, não permitindo que ele se torne um mero projetar pelo projetar. Por fim, acho que uma das missões do professor de Arquitetura é despertar a fascinação pelo belo. Penso inconcebível um arquiteto que entre em Hagia Sophia, em Versalhes, em Notre Dame de Paris, na Igreja de S. Fancisco, em Ouro Preto, no Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói etc. e não se extasie com a beleza, com a sensibilidade despertada ao longo do seu curso de graduação.
OTDB: Indique alguns livros que você julga essenciais para a formação de um arquiteto/urbanista. De que forma esses livros mudaram a forma de você pensar e avaliar a sua própria produção?
JH: Esta talvez seja a mais difícil das perguntas que vocês me fazem, pois para cada livro que eu cite, certamente deixarei de citar dez, por falta de espaço, mesmo no ciberespaço. Assim, permito-me citar alguns livros que julgo importantes na minha formação como “o mais arquiteto dos não arquitetos” e também para a formação dos arquitetos e urbanistas. “O homem e o espaço”, de Otto Bollnow, livro obrigatório na formação de arquitetos na Alemanha, e que trata da percepção do espaço e da concepção da espacialidade recorrendo à filosofia de forma muito sólida. “A casa de Adão no Paraíso”, de Joseph Rykwert, um livro que trabalha com os arquétipos da Arquitetura, tema essencial para se compreender por quê se constrói. Ainda desse autor, posso citar “A sedução do lugar” e “A ideia de cidade”, nos quais ele aborda, também por uma perspectiva cultural, o fenômeno urbano. O já citado “Construindo para os pobres”, de Hassan Fathy, pela temática social abordada pelo autor. “A história da cidade”, de Leonardo Benevolo, parece-me ser leitura obrigatória a quantos se interessam pelo Urbanismo. Um livro pelo qual tenho especial carinho é o “Introdução à História da Arquitetura”, de José Ramón Alonso Pereira. Também “Espaço, Tempo, Arquitetura”, de Sigfried Giedion, é um livro importante pelas reflexões originais e sólidas que apresenta. Também recomendo como indispensáveis os livros de Peter Zumthor, pelas reflexões teóricas importantes que ele propõe. Na minha área específica, há várias obras, que abordam desde estilos específicos, como o Islâmico, o Gótico, o Barroco, o Renascentista, etc., até os contemporâneos, sendo que eu não posso deixar de citar o livro “Arquitectura de Templos Sagrados”, organizado por Cristina Paredes Benítez, que, embora trabalhe unicamente com templos contemporâneos, cobre uma grande diversidade de religiões. Por fim, para não formar uma lista demasiado extensa, dois livros de Juhani Pallasmaa: “La mano que piensa” e “Os olhos da pele”.
OTDB agradece ao professor João Henrique que se mostrou muito interessado em contribuir para a nossa página com esta entrevista.
Por Jéssica Rossone