quinta-feira, 26 de maio de 2011

Fome e Arquitetura



     Há alguns dias, eu estava na fila do R.U. (Restaurante Universitário) conversando com um colega sobre a questão dos alimentos no mundo, e isso me deixou extremamente incomodado.
     É inadmissível que toda a comida desperdiçada só no Brasil seja suficiente para alimentar 25 milhões de pessoas por dia, ou seja, erradicar a fome no país. Mas, mais do que isso, a fome só aumenta com o passar do tempo. Até 2050 a população mundial aumentará em 3 bilhões de pessoas, o que exigiria aumentar uma área cultivável maior do que o Brasil.
     Foi pensando nisso, que arquitetos como Rafael Grinberg Costa começaram a desenvolver projetos de cultivo de hortaliças dentro de prédios, as chamadas fazendas verticais. Costa propôs, em 2009, a criação de fazendas de cultivo baseado na hidroponia nos edifícios São Vito e Mercúrio, localizados no centro da capital paulista. A iniciativa, entretanto, não saiu do papel, a prefeitura não demonstrou interesse e os prédios foram demolidos para a construção de um parque. Para o arquiteto, o primeiro país que implementar uma fazenda vertical estará na vanguarda em relação a esse tipo de produção urbana, livre dos riscos sofridos pela agricultura tradicional.

Projeto de uma fazenda vertical.

     As vantagens das fazendas verticais são bem grandes: o alimento é plantado, transportado e consumido na mesma região, evitando o desperdício; há produção de alimentos durante o ano inteiro; maior produtividade pois a safra estará menos sujeita a problemas climáticos como seca, enchentes ou pragas; pode-se priorizar o cultivo de alimentos orgânicos sem uso de herbicidas, pesticidas ou fertilizantes; eliminação da contaminação do solo por agrotóxicos; reurbanização das áreas com o aproveitamento de espaços abandonados ou degradados; redução dos danos causados pela agricultura ao ambiente; há a opção de reflorestar áreas antes utilizadas pela agricultura convencional; gera emprego urbano; reduz-se o uso de combustíveis fósseis e a emissão de gases poluentes: não são necessários tratores, arados e transporte e além disso, defensores da iniciativa estimam que um edifício de 30 andares poderia alimentar até 10 mil pessoas.
     Apesar do descaso da iniciativa pública, existem pequenos projetos com resultados animadores. Piracicaba, um município com mais de 300 mil moradores no interior paulista, onde a prefeitura oferece isenção parcial de impostos para áreas ocupadas por hortaliças possui mais de 70 hortas urbanas, o que a tornou autossuficiente em hortaliças folhosas, como alface e couve.
     O Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS, Márcio Rosa D’Avila acredita que as pequenas práticas atuais como as fazendas de janela e os jardins em sacadas, em que as pessoas produzem alimentos nas aberturas dos apartamentos para o consumo individual, são a semente para o debate sobre uma produção em maior escala.
     Talvez a falta da conscientização do poder público e até mesmo das pessoas seja um grande fator que impeça o desenvolvimento de ideias novas como as fazendas verticais – o que não é novidade. Mas se você arquiteto pensa que arquitetura está longe de temas como a fome no mundo, tavez esteja cometendo um grande contrassenso. Devemos nos abrir para questões que não estão cotidianamente ligadas ao nosso trabalho e procurar soluções o quanto antes, afinal, somos nós os profissionais responsáveis pelo conforto das pessoas.

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