Bruno Zevi (1918 – 2000) foi um arquiteto italiano muito
famoso por seus livros que teorizavam e introduziam a historiografia sobre a
arquitetura moderna no século XX. Dentre seus livros, Saber ver a arquitetura de
1948 se tornou quase uma literatura obrigatória nas escolas de arquitetura e
urbanismo por seu caráter reflexivo sobre as características básicas da
produção arquitetônica, levantando problemáticas importantes sobre o olhar do
objeto artísticos.
Nesta postagem me focarei no capítulo três do acima citado
livro A representação do espaço que discorre sobre as formas de representação
da arquitetura, não pelo olhar técnico construtivo, mas como meio de divulgação
desta arte. Por se tratar de um livro antigo, algumas questões serão
discorridas em paralelo relacionando ao atual momento de desenvolvimento da
tecnologia, mas salientando que a maioria das questões continuam pertinentes.
A representação das diversas formas de artes que homem
produz, sendo ela a pintura, escrita, música e etc. encontra-se, no presente
meio tecnológico, satisfatoriamente bem traduzidas para a proliferação das
mesmas, seja com impressos, fotografias e gravações de áudio, e isto traz uma
aproximação e maior aceitação destas artes pelo grande público. Trazendo para o
atual momento do século XXI, facilmente pode-se reproduzir música pelos quatro
cantos do mundo, fazer cópias impressas em alta qualidade dos quadros famosos,
traduzir livros, replicar esculturas e etc. Mas, como a arquitetura se encaixa
nesse meio? Qual a melhor forma de exprimir esta arte e proliferar seus
conceitos se não houver a relação direta do indivíduo com a arquitetura?
Maquetes, plantas, cortes, fachadas não trazem a verdadeira aura da produção
daquela arte e sua consequente reprodução para apreciação em massa. Arquitetura
se relaciona com escalas, meios em que se encontram, cores, luz, sombra e
sensações, estas que não são facilmente reproduzíveis. Zevi discorre em seu
livro sobre cada uma dessas representações disponíveis na época.
A planta baixa vem como um importante meio de representação
da arquitetura, uma boa forma de se mostrar a relação estrutural da mesma e
ocupação no plano do terreno, mas falha em mostrar as demais relações espaciais
da arquitetura, mesmo quando dotadas de grandes informações. Soma-se ao fato de
ser um meio de comunicação de caráter técnico e de difícil compreensão para
leigos.
O autor então nos mostra algumas formas de representar a
planta que possam exprimir suas particularidades especiais que fogem do básico,
para isso ele se utiliza da planta baixa da Basílica de São Pedro em Roma
desenhada por Bonanini.
Relação de espaço ocupado do terreno X área livre (cheios e vazios)
Marcação dos nichos e corredores principais da basílica
Alturas mais proeminentes dentro da edificação
Mesmo após estas diversas formas de representação, seja os
cheios e vazios, relações interior e exterior, estrutura, escala e alturas não
é possível realizar o verdadeiro entendimento do projeto arquitetônico e suas
intenções por estes desenhos. Não se pode ver suas peculiaridades, suas cores e
luzes e proporções, ou seja, seus elementos não construtivos.
E se somarmos à planta a representação da fachada? Segundo o
autor, não é efetivo da mesma forma. A fachada em sua representação básica
exclui a relação e o peso dos materiais, assim como falha em demonstrar
profundidades, pois tudo é desenhado de forma chapada.
Bruno Zevi demonstra os mesmos desenhos com a adição de
características dos materiais e sombreamento que indiquem profundidade. Há
obviamente um melhora quanto ao entendimento do projeto, mas ainda assim é limitada,
como no exemplo utilizado da casa da cascata de Frank L. Wright, que possui
volumes e blocos complexos, a representação de fachada torna-se uma imagem que
não está ao pé do objeto físico.
Casa da cascata (fonte: blog architectus)
Segundo o autor, das formas de representação disponíveis na
época e de fácil reprodução a fotografia seria uma boa forma de divulgar a
arquitetura. Por mais que ela seja uma imagem, ela capta as particularidades
daquele espaço, pois além de trazer a percepção visual real do objeto em três
dimensões ele nos coloca no ponto de vista do observador, passando o campo de
visão local, ou mesmo quando se tratam de vistas aéreas e perspectivas
diferenciadas.
Zevi cita também o cinema como uma forma ainda melhor de
representação, pois ele tem a capacidade de captar as imagens sequenciais que
uma caminhada pelo objeto arquitetônico pode proporcionar. A arquitetura é uma
arte de vivência e que nos possibilita infinitos pontos de vistas,
perspectivas, iluminações e sensações.
Interior da Basílica de São Pedro - Vaticano (Fonte: www.flickr.com/photos/aragao/5215569054/)
Interior da Casa da Cascata (fonte: blog architectus)
Trazendo para o atual momento do século XXI, com as novas
tecnologias, a divulgação do material se torna ainda mais fácil. Todos podem
fazer suas fotografias, filmar vídeos em dispositivos pessoais, coisas que
auxiliam na divulgação da arquitetura como arte para a grande população.
Somando-se a isto, as novas técnicas de computação nos permitem criar espaços
virtuais ou uma união entre virtual e real para chegar à forma mais coesa de se
representar e disseminar a arte arquitetônica.
Um exemplo destas novas técnicas é o tour em 360º que pode ser feito da capela Sistina no Vaticano. O link pode ser acessado por esta imagem:
Vale salientar que o autor, apesar de considerar fotografia
e cinema boas técnicas de representação, ainda nos trás ressalvas quanto à
capacidade real de se exprimir o verdadeiro sentido da arquitetura. A mesma se
dá em quatro dimensões, onde as três primeiras são bem representadas, porém a
quarta está no caráter sensorial e cognitivo, algo que só a experiência real
pode proporcionar, ou seja, uma das sensações mais importantes da arte, aquela
que transcende o objeto físico. Apesar de muito interessante e uma bela forma de apresentação, o tour online da capela Sistina nunca exprimirá o verdadeiro significado sensitivo de estar neste ambiente religioso em pessoa.
Bruno Zevi conclui que para experimentar a arquitetura, que
está na mesma categoria da capacidade de viver o espaço, a vida, o momento e as
sensações, só ocorrerá plenamente se nos movermos, formos atrás de sentir e
viver os locais, abraçar o mundo, todas as outras formas de representação são necessárias e importantes, porém
apenas preparatório para verdadeira hora de viver a arquitetura.
Recomendo a leitura de Saber ver a arquitetura, pois se trata
de um grande livro, com conceitos muito importantes para todos que querem ver a
produção da arquitetura de uma forma maior que os desenhos de projetos. Como complementação desta leitura, recomendo o livro Ensaio sobre o projeto de Alfonso Martinez que acrescenta de forma interessante as ideias levantadas no livro supracitado.
Por Carlos Eduardo Rocha