segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Analise do artigo Reforma Urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente

O presente post é uma análise do artigo publicado no caderno do IPPUR, Reforma Urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente de Adalto Lúcio Cardoso. Este artigo apresenta a evolução do pensamento de Reforma Urbana e Planos diretores ao longo do tempo. Para apresentação didática foi feita uma linha cronológica de apresentação dos fatos com acréscimos sobre o contexto do país na década de 50 e 60, e sobre o Plano Diretor de Juiz de Fora.


Na década de 50 e depois com a ditadura militar, predomina o pensamento de desenvolvimento nacionalista, com políticas de modernização voltadas para dentro do país e a construção de Brasília, numa tentativa de levar este desenvolvimento para o interior. A década de 70 dá continuidade a este processo, principalmente a partir de 1975, quando a economia brasileira mantém-se em um ritmo acelerado, apoiada principalmente no aumento da dívida externa. Com o advento da crise internacional do petróleo em 1973, e o grande endividamento do país, os efeitos dos gastos desta década se farão sentir, principalmente, na década de 80.

Ainda em 1974 a intervenção pública sobre o urbano se reestrutura com a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, que busca equilíbrio espacial da população e atividades econômicas, a ser alcançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, inteiramente responsável por organizar o território urbano. São criados instrumentos que permitem que as administrações municipais planejem seu território e enfrentem a especulação imobiliária.

Ocorre a falência dessa estratégia do CNDU.  No caso de gestões metropolitanas, estas conseguiram realizar o levantamento de dados, mas não aplicar os planos elaborados. No caso de cidades de porte médio, embora tenham mobilizado amplos debates, também não conseguiram combater a especulação imobiliária, pois com a crise muitas não tiveram recursos para a formulação de planos, ou aplicação dos mesmos.



O final da década de 70 e início da década 80, portanto, são marcados por uma intensa crise econômica e política, uma vez que com a necessidade de cortas os gastos o Estado se mostra com possibilidade limitada de ação, principalmente no que tange a políticas sociais e de planejamento de longo e médio prazo, adotando apenas a gestão imediata. Consequentemente há grande insatisfação popular pelo mau atendimento das necessidades básicas e emersão de movimentos sociais.

           
Neste ano ocorre um refluxo dos movimentos populares, e uma revisão das análises formuladas a partir da situação política e social no final da década de 70 e inicio da década de 80. Em meio à insatisfação popular e debates a cerca dos direitos da população, começa a formulação de outra noção de cidadania e democracia, dando início aos movimentos pela Reforma Urbana.

Com o objetivo de dotar o Poder Público de instrumentos de combate à especulação imobiliária, ocorre em 1977 uma revisão da Lei de Desenvolvimento Urbano. Apenas em 1981 essa revisão passou pelo Ministério do Interior do Brasil, e em 1982, já numa versão mais branda, veio a público e chegou à Câmara dos Deputados em 1983.

O projeto tem objetivo de melhoria da qualidade de vida das cidades, coerente com a política proposta do CNDU de equilíbrio da distribuição de população e atividades econômicas. Entre as diretrizes está a função do planejamento urbano, qual será a atuação e objetivos do Poder Público Municipal, a função social da propriedade, a relação do Poder Público e a sociedade e proteção e conservação da cidade e seu patrimônios e meio ambiente.

A LDU enfatiza a necessidade de coordenação das políticas entre as várias esferas de governo, sendo dever tanto da União, quanto do município, o desenvolvimento de Políticas de Desenvolvimento Urbano, a atuar de forma complementar, proporcionando assim a descentralização do poder.
Cria ainda a responsabilidade para os municípios de elaboração de planos municipais de desenvolvimento urbano e uso do solo, subordinados às legislações nacionais específicas.

Com a LDU a questão social está intimamente atrelada à questão urbana, através da função social da propriedade, e pondo como objetivo principal do desenvolvimento urbano a melhoria da qualidade de vida. Além disso, a participação popular seria incentivada na formulação de planos, programas e projetos, e Associações Comunitárias e o Ministério Público são partes legítimas para propor ação para cumprimento das leis de desenvolvimento urbano.

A lentidão dos debates na Câmara fez com que a discussão a cerca da LDU ficasse prejudicada, principalmente a partir do início das discussões sobre a Carta Constituinte, em 1986, que polarizou as atenções.

Cria-se em 1985 o Ministério do Desenvolvimento Urbanos e Meio Ambiente, que ficaria responsável pelo BNH. O novo ministério abre um processo de discussão sobre política habitacional, e um seminário nacional que conta com participação de membros do governo, empresários do setor imobiliário, entidades técnicas, representantes dos mutuários, economistas e personalidades convidadas. O documento final do seminário conclui que a habitação, como obrigação do Estado, só pode ser tratada como questão urbana, e esta é parte do processo de desenvolvimento econômico e social do País.

Indo de acordo com a nova noção de democracia e cidadania, propõe-se a descentralização administrativa e a participação dos beneficiários da política de habitação em processos decisórios.

O processo de elaboração da Constituição Federal estabelece um importante marco na redemocratização nacional, unido os movimentos sociais de diferentes classes para debater as questões a serem previstas na nova constituição. As várias organizações da sociedade foram incumbidas de criar propostas concretas relativas às suas áreas de interesse, gerando confrontos ideológicos e sociais. Esta abertura às emendas populares foi o grande impulsionador do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, mesclando os interesses de agentes muitas vezes já atuantes na sociedade, como arquitetos, engenheiros, advogados, acadêmicos e ONGs, unidos em prol do processo de redemocratização.

O Movimento Nacional pela Reforma Urbana começa no Rio de Janeiro, onde as entidades ANSUR (Associação Nacional do Solo Urbano), IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional), SARJ (Sindicato de Arquitetos no Rio de Janeiro), FAMERJ (Federação de Associações de Moradores do Rio de Janeiro) e SENGE (Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro), elaboram o núcleo da proposta de reforma urbana, que ganha forças antes mesmo de sua conclusão, incorporando os setores populares que somam em proposições e reflexões, enriquecendo ainda mais esta proposta. Como proposta final a Emenda Popular pela Reforma Urbana, que elenca quatro principais vertentes:

1 – A Obrigação do estado de assegurar os direitos urbanos de todos os cidadãos – assegura ao cidadão a condição de vida urbana digna e justiça social.
2 – Submissão da propriedade à sua função social – As necessidades coletivas passam a sobrepor os valores particulares no que tange o solo urbano.
3 – Direito à cidade – Vida urbana igualitária.
4 – Gestão democrática da cidade – garante o direito de participação popular nos processos de gestão da cidade.
Esta proposta foi inovadora e trás ideias e instrumentos que possibilitem a aplicação destas diretrizes, sendo amplamente aceita. Respeita a questão social e proporciona uma nova forma de pensar a cidade. 

1988 foi o ano de promulgação da Constituição. Ela inova ao levar em consideração a coletividade. Foi desde sua elaboração montada em cima de propostas geradas por organizações sociais que angariou muitas conquistas até a efetivação da lei, mesmo que tenha perdido em pontos como a reforma agrária. Esta nova proposta dá poder à democracia participativa, popular e coletiva, algo nunca antes feito no Brasil, estabelece diretrizes gerais para o desenvolvimento de políticas sociais como direitos básicos de cada cidadão. Como principais instrumentos são instituídos a iniciativa legislativa, o plebiscito e o referendo, sendo aplicáveis em todas as esferas governamentais.

Outra grande modificação desta nova constituição é a descentralização do poder. Tanto em nível nacional com autonomia para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, quanto a nível municipal, uma vez que o município deixa de ser uma unidade administrativa do estado e passa a ter autonomia, como unidade política. Ganham o poder e direito de elaborar suas próprias legislações específicas e formulação de princípios básicos de orientação de legislação ordinária. Além de adquirir estes direitos, os municípios receberam deveres comuns à união, como a proteção ao meio ambiente, combate a poluição em todas suas formas, preservação de florestas, fauna e flora, geração de moradia através de programas habitacionais, promover saneamento, combate as causas da pobreza e aos fatores de marginalização, promovendo integração social das camadas desfavorecidas.

No texto final da constituição algumas das propostas do Movimento Nacional pela Reforma Urbana são inseridas dentro do capítulo sobre a reforma urbana. Como anteriormente citado, a proposta do MNRU traz o fator do coletivo social para o primeiro plano e delimita as ações particulares sobre a cidade evidenciando a “função social da cidade”. As políticas de desenvolvimento urbano agora são direcionadas pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (obrigatório para cidades com mais de 20.000 habitantes) e a propriedade urbana só cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenamento da cidade expressas no PDDU. E como instrumentos de ação a constituição Federal adota medidas punitivas sobre propriedades particulares que atinjam de forma negativa a função social, como desapropriação com títulos da dívida pública e IPTU progressivo.

Desdobramentos Pós-Constitucionais
O MNRU, após a avaliação dos ganhos e perdas da constituição, vai lutar pelas propostas não implementadas nos âmbitos estaduais e nas leis orgânicas municipais. Fóruns de participação popular são criados em alguns estados visando o valor social proposto inicialmente.

O MNRU influenciou muito na constituição nos quesitos do meio ambiente e na visão da função social da cidade, formando cadeias de leis que se aplicam aos estados. Já no âmbito municipal, isto se pulveriza, tornando difícil fazer uma análise completa do verdadeiro impacto. Os municípios se diversificam por seu caráter administrativo na elaboração de leis orgânicas, enquanto grandes cidades tem maiores capacidade de se adaptar as novas leis implementadas, estas se utilizam de mais participação popular, enquanto as menores cidades, menos capacitadas, acabam gerando leis desenvolvidas pelos próprios administradores, com pouca ou nenhuma participação dos grupos sociais.

Na elaboração dos planos diretores, as cidades maiores, em geral, já possuíam um histórico de planejamento e pensamento urbano, sendo assim, o PDDU serviu como uma homogeneização destes planos de forma estruturada. Através das leis orgânicas municipais, as cidades já direcionavam seus planos, que tinha como recorrência nas maiores cidades do Brasil a definição da abrangência do plano diretor, definição da função social da cidade, normas urbanísticas, habitação popular, política econômica e desenvolvimento municipal, gestão urbana, infraestrutura e critérios ambientais. Apesar de tentativas de participação popular, esta nem sempre aconteceu de forma fácil, o teor técnico dos projetos e as constantes mudanças por parte de vereadores e empresariado fazia com que muito se perdesse e que dificultasse este contato social. Os planos diretores, que deveriam constar como leis muitas vezes assumem mais um caráter técnico do que jurídico, e estes que deveriam ser amparados pelas demais leis urbanas, como uso do solo criado, saem muitas vezes desconexos tornando o plano diretor pouco utilizado. Os planos do Rio de Janeiro e São Paulo podem ser caracterizados como exemplos pros demais municípios. 

Instrumentos de Controle do Uso do Solo
Alguns instrumentos de regulação do uso do solo são essenciais para garantir a função social da cidade. Após a Constituição, Leis Orgânicas Municipais vem delimitar melhor esta função criando preceitos de delimitação do direito particular sobre o solo trazendo conceitos como coibição da especulação da terra, democratização do solo e direito à moradia. Estas ideias vem demonstrar a compreensão de que é necessário fortalecer o poder público para que o mesmo possa atuar de forma mais incisiva na regulação do uso e ocupação do solo, ampliando a eficiência da ação pública.

Leis Orgânicas e Plano Diretor vêm trazer, cada um, instrumentos de controle do uso do solo que mais se encaixem nos seus propósitos, ampliando esta eficiência acima citado. Alguns exemplos de instrumentos previstos pelas leis orgânicas são: solo criado, IPTU progressivo, desapropriação, transferência do direito de construir, usucapião e etc. E exemplos de instrumentos previstos pelo Plano Diretos são: edificação compulsória, desapropriação com títulos de dívida, operação interesse social, direito de preempção e etc. Estes processos de uma forma geral agem como regularizadores do solo urbano, seja por caráter delimitador ou distributivo.

Apesar de todos estes instrumentos previsto, muitas vezes estes não são utilizados, seja por falta de interesse da administração local ou por falta de ordenamento e fiscalização dos mesmos, gerando leis muito efetivas porém pouco aplicadas.

Política Habitacional
Na elaboração da Constituição o direito a moradias passa a ser parte função da União, parte dos estados, parte dos municípios. Porém com o Governo enfrentado o déficit público os estados e municípios passam a assumir cada vez mais esta responsabilidade, quando muitas vezes as políticas de habitação popular vieram definidas na Leis Orgânicas dos municípios.

Observa-se também que as políticas habitacionais englobam, além da construção da habitação, urbanização dos assentamentos populares e regularização fundiária, uma evolução no modo de tratar o déficit habitacional em relação às ações do BNH.

Em relação às políticas habitacionais o instrumento de AEIS foi amplamente utilizado, passando a enxergar a questão como delicada e de certa urgência, negando os princípios de universalidade e igualdade.

Resultado dos Planos Diretores

Em muitas cidades os planos diretores obrigatórios foram aprovados em final de governo, e na gestão seguinte relegados ao esquecimento, não tendo seus instrumentos devidamente regulamentados.

Quando não foram eficientes no que tange a melhoria de vida da população, muitos deles tiveram alguns instrumentos que serviram mais ao mercado imobiliário do que ao ordenado crescimento da cidade. Por exemplo, o solo criado, que na maioria dos casos não foi implantado na sua definição mais restrita, com índice de construção igual ou próximo de um. Perdeu seu caráter redistributivo e possibilitou o superadensamento em áreas de interesse.

Os instrumentos de Operações Urbanas e Operações Interligadas, que deveriam repassar recursos da iniciativa privada para melhoria de uma área em função da população de baixa renda se mostrou em muitos casos mais vantajoso ao capital imobiliário e pouco vantajosos à população de baixa renda em si.

Instrumentos bem sucedidos foram os de Edificação e Parcelamento Compulsórios, IPTU Progressivo e Desapropriação e AEIS. Nos primeiros casos visando o aumento de oferta de moradias e no último facilitando a manutenção de populações de baixa renda em áreas já ocupadas.

Plano Diretor de Juiz de Fora
Juiz de Fora teve seu Plano Diretor elaborado em 1996, em final de mandato, e aprovado, com muitos vetos, em 2000. Não sendo um caso isolado, o Plano Diretor da cidade trás um diagnóstico de cada área com proposições vagas, e muitos de seus instrumentos não foram regulamentados. Além disso, algumas legislações elaboradas juntamente ao Plano Diretor não foram aprovadas, como a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, continuando vigente a versão elaborada em 1986.

O Plano Diretor por muitas vezes entra em conflito com a Lei de Uso e Ocupação do Solo, já implementada e consolidada, no que tange a áreas de interesse especial para adensamento preferencial ou restrito, para habitação popular ou regularização fundiária, foi deixado de lado e o crescimento da cidade foi em função dos interesses do Capital Imobiliário.

Artigo CARDOSO, Adauto Lúcio. Reforma Urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente. Rio de Janeiro: Cadernos IPPUR, 1997

Por Carlos Eduardo Rocha

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