O
presente post é uma análise do artigo publicado no caderno do IPPUR, Reforma
Urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente de Adalto Lúcio Cardoso. Este artigo
apresenta a evolução do pensamento de Reforma Urbana e Planos diretores ao
longo do tempo. Para apresentação didática foi feita uma linha cronológica de
apresentação dos fatos com acréscimos sobre o contexto do país na década de 50
e 60, e sobre o Plano Diretor de Juiz de Fora.
Na
década de 50 e depois com a ditadura militar, predomina o pensamento de desenvolvimento
nacionalista, com políticas de modernização voltadas para dentro do país e a
construção de Brasília, numa tentativa de levar este desenvolvimento para o
interior. A década de 70 dá continuidade a este processo, principalmente a
partir de 1975, quando a economia brasileira mantém-se em um ritmo acelerado,
apoiada principalmente no aumento da dívida externa. Com o advento da crise
internacional do petróleo em 1973, e o grande endividamento do país, os efeitos
dos gastos desta década se farão sentir, principalmente, na década de 80.
Ainda
em 1974 a intervenção pública sobre o urbano se reestrutura com a Política
Nacional de Desenvolvimento Urbano, que busca equilíbrio espacial da população
e atividades econômicas, a ser alcançado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano, inteiramente responsável por organizar o território
urbano. São criados instrumentos que permitem que as administrações municipais
planejem seu território e enfrentem a especulação imobiliária.
Ocorre
a falência dessa estratégia do CNDU. No
caso de gestões metropolitanas, estas conseguiram realizar o levantamento de
dados, mas não aplicar os planos elaborados. No caso de cidades de porte médio,
embora tenham mobilizado amplos debates, também não conseguiram combater a
especulação imobiliária, pois com a crise muitas não tiveram recursos para a
formulação de planos, ou aplicação dos mesmos.
O final da década de 70 e início da década 80,
portanto, são marcados por uma intensa crise econômica e política, uma vez que
com a necessidade de cortas os gastos o Estado se mostra com possibilidade
limitada de ação, principalmente no que tange a políticas sociais e de
planejamento de longo e médio prazo, adotando apenas a gestão imediata.
Consequentemente há grande insatisfação popular pelo mau atendimento das
necessidades básicas e emersão de movimentos sociais.
Neste
ano ocorre um refluxo dos movimentos populares, e uma revisão das análises
formuladas a partir da situação política e social no final da década de 70 e
inicio da década de 80. Em meio à insatisfação popular e debates a cerca dos
direitos da população, começa a formulação de outra noção de cidadania e
democracia, dando início aos movimentos pela Reforma Urbana.
Com
o objetivo de dotar o Poder Público de instrumentos de combate à especulação
imobiliária, ocorre em 1977 uma revisão da Lei de Desenvolvimento Urbano.
Apenas em 1981 essa revisão passou pelo Ministério do Interior do Brasil, e em
1982, já numa versão mais branda, veio a público e chegou à Câmara dos
Deputados em 1983.
O
projeto tem objetivo de melhoria da qualidade de vida das cidades, coerente com
a política proposta do CNDU de equilíbrio da distribuição de população e atividades
econômicas. Entre as diretrizes está a função do planejamento urbano, qual será
a atuação e objetivos do Poder Público Municipal, a função social da
propriedade, a relação do Poder Público e a sociedade e proteção e conservação
da cidade e seu patrimônios e meio ambiente.
A
LDU enfatiza a necessidade de coordenação das políticas entre as várias esferas
de governo, sendo dever tanto da União, quanto do município, o desenvolvimento
de Políticas de Desenvolvimento Urbano, a atuar de forma complementar,
proporcionando assim a descentralização do poder.
Cria
ainda a responsabilidade para os municípios de elaboração de planos municipais
de desenvolvimento urbano e uso do solo, subordinados às legislações nacionais
específicas.
Com
a LDU a questão social está intimamente atrelada à questão urbana, através da
função social da propriedade, e pondo como objetivo principal do
desenvolvimento urbano a melhoria da qualidade de vida. Além disso, a
participação popular seria incentivada na formulação de planos, programas e
projetos, e Associações Comunitárias e o Ministério Público são partes
legítimas para propor ação para cumprimento das leis de desenvolvimento urbano.
A
lentidão dos debates na Câmara fez com que a discussão a cerca da LDU ficasse
prejudicada, principalmente a partir do início das discussões sobre a Carta
Constituinte, em 1986, que polarizou as atenções.
Indo
de acordo com a nova noção de democracia e cidadania, propõe-se a
descentralização administrativa e a participação dos beneficiários da política
de habitação em processos decisórios.
O
processo de elaboração da Constituição Federal estabelece um importante marco
na redemocratização nacional, unido os movimentos sociais de diferentes classes
para debater as questões a serem previstas na nova constituição. As várias
organizações da sociedade foram incumbidas de criar propostas concretas
relativas às suas áreas de interesse, gerando confrontos ideológicos e sociais.
Esta abertura às emendas populares foi o grande impulsionador do Movimento
Nacional pela Reforma Urbana, mesclando os interesses de agentes muitas vezes
já atuantes na sociedade, como arquitetos, engenheiros, advogados, acadêmicos e
ONGs, unidos em prol do processo de redemocratização.
O
Movimento Nacional pela Reforma Urbana começa no Rio de Janeiro, onde as
entidades ANSUR (Associação Nacional do Solo Urbano), IAB (Instituto dos
Arquitetos do Brasil), IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional), SARJ (Sindicato de Arquitetos no Rio de Janeiro), FAMERJ (Federação
de Associações de Moradores do Rio de Janeiro) e SENGE (Sindicato dos
Engenheiros do Rio de Janeiro), elaboram o núcleo da proposta de reforma
urbana, que ganha forças antes mesmo de sua conclusão, incorporando os setores
populares que somam em proposições e reflexões, enriquecendo ainda mais esta
proposta. Como proposta final a Emenda Popular pela Reforma Urbana, que elenca
quatro principais vertentes:
1
– A Obrigação do estado de assegurar os direitos urbanos de todos os cidadãos –
assegura ao cidadão a condição de vida urbana digna e justiça social.
2
– Submissão da propriedade à sua função social – As necessidades coletivas
passam a sobrepor os valores particulares no que tange o solo urbano.
3
– Direito à cidade – Vida urbana igualitária.
4
– Gestão democrática da cidade – garante o direito de participação popular nos
processos de gestão da cidade.
Esta
proposta foi inovadora e trás ideias e instrumentos que possibilitem a
aplicação destas diretrizes, sendo amplamente aceita. Respeita a questão social
e proporciona uma nova forma de pensar a cidade.
1988
foi o ano de promulgação da Constituição. Ela inova ao levar em consideração a
coletividade. Foi desde sua elaboração montada em cima de propostas geradas por
organizações sociais que angariou muitas conquistas até a efetivação da lei,
mesmo que tenha perdido em pontos como a reforma agrária. Esta nova proposta dá
poder à democracia participativa, popular e coletiva, algo nunca antes feito no
Brasil, estabelece diretrizes gerais para o desenvolvimento de políticas
sociais como direitos básicos de cada cidadão. Como principais instrumentos são
instituídos a iniciativa legislativa, o plebiscito e o referendo, sendo
aplicáveis em todas as esferas governamentais.
Outra
grande modificação desta nova constituição é a descentralização do poder. Tanto
em nível nacional com autonomia para os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, quanto a nível municipal, uma vez que o município deixa de ser uma
unidade administrativa do estado e passa a ter autonomia, como unidade
política. Ganham o poder e direito de elaborar suas próprias legislações
específicas e formulação de princípios básicos de orientação de legislação ordinária.
Além de adquirir estes direitos, os municípios receberam deveres comuns à
união, como a proteção ao meio ambiente, combate a poluição em todas suas
formas, preservação de florestas, fauna e flora, geração de moradia através de
programas habitacionais, promover saneamento, combate as causas da pobreza e
aos fatores de marginalização, promovendo integração social das camadas
desfavorecidas.
No
texto final da constituição algumas das propostas do Movimento Nacional pela
Reforma Urbana são inseridas dentro do capítulo sobre a reforma urbana. Como
anteriormente citado, a proposta do MNRU traz o fator do coletivo social para o
primeiro plano e delimita as ações particulares sobre a cidade evidenciando a
“função social da cidade”. As políticas de desenvolvimento urbano agora são
direcionadas pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (obrigatório para
cidades com mais de 20.000 habitantes) e a propriedade urbana só cumpre sua
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenamento da cidade
expressas no PDDU. E como instrumentos de ação a constituição Federal adota
medidas punitivas sobre propriedades particulares que atinjam de forma negativa
a função social, como desapropriação com títulos da dívida pública e IPTU
progressivo.
Desdobramentos Pós-Constitucionais
O
MNRU, após a avaliação dos ganhos e perdas da constituição, vai lutar pelas
propostas não implementadas nos âmbitos estaduais e nas leis orgânicas
municipais. Fóruns de participação popular são criados em alguns estados
visando o valor social proposto inicialmente.
O
MNRU influenciou muito na constituição nos quesitos do meio ambiente e na visão
da função social da cidade, formando cadeias de leis que se aplicam aos
estados. Já no âmbito municipal, isto se pulveriza, tornando difícil fazer uma
análise completa do verdadeiro impacto. Os municípios se diversificam por seu
caráter administrativo na elaboração de leis orgânicas, enquanto grandes
cidades tem maiores capacidade de se adaptar as novas leis implementadas, estas
se utilizam de mais participação popular, enquanto as menores cidades, menos
capacitadas, acabam gerando leis desenvolvidas pelos próprios administradores,
com pouca ou nenhuma participação dos grupos sociais.
Na
elaboração dos planos diretores, as cidades maiores, em geral, já possuíam um
histórico de planejamento e pensamento urbano, sendo assim, o PDDU serviu como
uma homogeneização destes planos de forma estruturada. Através das leis
orgânicas municipais, as cidades já direcionavam seus planos, que tinha como
recorrência nas maiores cidades do Brasil a definição da abrangência do plano
diretor, definição da função social da cidade, normas urbanísticas, habitação
popular, política econômica e desenvolvimento municipal, gestão urbana,
infraestrutura e critérios ambientais. Apesar de tentativas de participação
popular, esta nem sempre aconteceu de forma fácil, o teor técnico dos projetos
e as constantes mudanças por parte de vereadores e empresariado fazia com que
muito se perdesse e que dificultasse este contato social. Os planos diretores,
que deveriam constar como leis muitas vezes assumem mais um caráter técnico do
que jurídico, e estes que deveriam ser amparados pelas demais leis urbanas,
como uso do solo criado, saem muitas vezes desconexos tornando o plano diretor
pouco utilizado. Os planos do Rio de Janeiro e São Paulo podem ser
caracterizados como exemplos pros demais municípios.
Instrumentos de Controle do Uso do Solo
Alguns
instrumentos de regulação do uso do solo são essenciais para garantir a função
social da cidade. Após a Constituição, Leis Orgânicas Municipais vem delimitar
melhor esta função criando preceitos de delimitação do direito particular sobre
o solo trazendo conceitos como coibição da especulação da terra, democratização
do solo e direito à moradia. Estas ideias vem demonstrar a compreensão de que é
necessário fortalecer o poder público para que o mesmo possa atuar de forma
mais incisiva na regulação do uso e ocupação do solo, ampliando a eficiência da
ação pública.
Leis
Orgânicas e Plano Diretor vêm trazer, cada um, instrumentos de controle do uso
do solo que mais se encaixem nos seus propósitos, ampliando esta eficiência
acima citado. Alguns exemplos de instrumentos previstos pelas leis orgânicas
são: solo criado, IPTU progressivo, desapropriação, transferência do direito de
construir, usucapião e etc. E exemplos de instrumentos previstos pelo Plano
Diretos são: edificação compulsória, desapropriação com títulos de dívida,
operação interesse social, direito de preempção e etc. Estes processos de uma
forma geral agem como regularizadores do solo urbano, seja por caráter
delimitador ou distributivo.
Apesar
de todos estes instrumentos previsto, muitas vezes estes não são utilizados,
seja por falta de interesse da administração local ou por falta de ordenamento
e fiscalização dos mesmos, gerando leis muito efetivas porém pouco aplicadas.
Política Habitacional
Na
elaboração da Constituição o direito a moradias passa a ser parte função da
União, parte dos estados, parte dos municípios. Porém com o Governo enfrentado
o déficit público os estados e municípios passam a assumir cada vez mais esta
responsabilidade, quando muitas vezes as políticas de habitação popular vieram
definidas na Leis Orgânicas dos municípios.
Observa-se
também que as políticas habitacionais englobam, além da construção da
habitação, urbanização dos assentamentos populares e regularização fundiária,
uma evolução no modo de tratar o déficit habitacional em relação às ações do
BNH.
Em
relação às políticas habitacionais o instrumento de AEIS foi amplamente
utilizado, passando a enxergar a questão como delicada e de certa urgência,
negando os princípios de universalidade e igualdade.
Resultado dos Planos Diretores
Em
muitas cidades os planos diretores obrigatórios foram aprovados em final de
governo, e na gestão seguinte relegados ao esquecimento, não tendo seus
instrumentos devidamente regulamentados.
Quando
não foram eficientes no que tange a melhoria de vida da população, muitos deles
tiveram alguns instrumentos que serviram mais ao mercado imobiliário do que ao
ordenado crescimento da cidade. Por exemplo, o solo criado, que na maioria dos
casos não foi implantado na sua definição mais restrita, com índice de construção
igual ou próximo de um. Perdeu seu caráter redistributivo e possibilitou o
superadensamento em áreas de interesse.
Os
instrumentos de Operações Urbanas e Operações Interligadas, que deveriam
repassar recursos da iniciativa privada para melhoria de uma área em função da
população de baixa renda se mostrou em muitos casos mais vantajoso ao capital
imobiliário e pouco vantajosos à população de baixa renda em si.
Instrumentos
bem sucedidos foram os de Edificação e Parcelamento Compulsórios, IPTU Progressivo
e Desapropriação e AEIS. Nos primeiros casos visando o aumento de oferta de
moradias e no último facilitando a manutenção de populações de baixa renda em
áreas já ocupadas.
Plano Diretor de Juiz de Fora
Juiz
de Fora teve seu Plano Diretor elaborado em 1996, em final de mandato, e
aprovado, com muitos vetos, em 2000. Não sendo um caso isolado, o Plano Diretor
da cidade trás um diagnóstico de cada área com proposições vagas, e muitos de
seus instrumentos não foram regulamentados. Além disso, algumas legislações
elaboradas juntamente ao Plano Diretor não foram aprovadas, como a revisão da
Lei de Uso e Ocupação do Solo, continuando vigente a versão elaborada em 1986.
O
Plano Diretor por muitas vezes entra em conflito com a Lei de Uso e Ocupação
do Solo, já implementada e consolidada, no que tange a áreas de interesse
especial para adensamento preferencial ou restrito, para habitação popular ou
regularização fundiária, foi deixado de lado e o crescimento da cidade foi em
função dos interesses do Capital Imobiliário.
Artigo CARDOSO, Adauto Lúcio. Reforma Urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente. Rio de Janeiro: Cadernos IPPUR, 1997
Por Carlos Eduardo Rocha